“Se o Supremo alegar que raça não pode ser critério para o acesso ao ensino superior estará dizendo que no país não existe discriminação racial”, avalia. “Esse momento me lembra do debate sobre o fim da escravidão que tomou o Brasil durante 70 anos, atrasando o desenvolvimento nacional.”
Segundo Evandro, é um erro alegar inconstitucionalidade das cotas. “Na verdade, trata-se de uma crítica ao método. A escolha desse faz parte do debate político, que deve ser acontecer de forma aberta e democrática.” O professor também indica que o debate no STF vai abrir espaço para a discussão sobre a inclusão de alunos negros na pós-graduação, uma vez que o objetivo das cotas é incluir o sujeito, bem como seus problemas cotidianos como a discriminação, no espaço do conhecimento. “Não faz sentido incluir na graduação e pensar que isso basta. A universidade não foi moldada para uma formação técnica, voltada para o mercado de trabalho, mas também para a pesquisa e da extensão.”
O professor Joaze Bernardino-Costa, do Departamento de Sociologia, aposta que a UnB vencerá o julgamento. “Desconsidero a possibilidade do sistema de cotas da UnB ser derrubado”, afirma. Ele diz que um parecer favorável do Supremo abrirá espaço para o aperfeiçoamento do sistema de cotas, com a discussão sobre políticas públicas de permanência na instituição e o apoio a pesquisas na área. “Tem que existir um trabalho para que o aluno negro faça parte da vida na UnB e não somente do momento de seleção”, define Joaze, que relata ter observado um aumento no interesse dos alunos em desenvolver pesquisas relativas à questão racial no Brasil.
“Se o STF se manifestar a favor do sistema de cotas, isso demonstrará o reconhecimento da importância da luta da população negra pelos seus direitos. Caso contrário, será uma tragédia, um descrédito para o sistema judicial”, avalia o diretor do Centro de Consciência Negra (CCN), Ivair Augusto dos Santos. “Aqueles que minimizam a questão o fazem ou porque são racistas ou por não conhecerem a realidade de quem sofreu na própria pele.”
CONTRADIÇÃO – Já o professor Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, analisa que um posicionamento favorável do STF representará o reconhecimento do desejo, não somente dos segmentos afro-brasileiros, mas de várias instituições que já adotam algum sistema inclusivo. Já a postura contrária, de acordo com o professor, além de conservadora, será contraditória. “Durante o século XIX, o Estado brasileiro desenvolveu políticas para assistir aos filhos de emigrantes europeus, preterindo outros segmentos sociais que ficaram vulneráveis ao longo de todo século XX. É necessária essa reparação para que as relações entre negros e brancos sejam equilibradas.”
Ele destaca que o sistema de cotas não acaba com o fosso entre negros e brancos. “Do ponto de vista simbólico, traz para o espaço acadêmico uma parcela da população afro-brasileira que sequer pensou na possibilidade de pertencer a ele na condição de aluno.” Nelson lembra que, na época da sua graduação, entre 1990 e 1995, seus colegas acreditavam que ele era estrangeiro porque não era comum ver negros brasileiros estudando nas universidades públicas. “Hoje, como professor, percebo as mudanças em sala de aula”, conta o professor Joaze que acredita que as cotas colaboram para que o sistema universitário não seja tão excludente quanto foi no passado. “É também uma reeducação no campo social, uma oportunidade para conviver com realidades diferentes e reaver preconceitos, afirma. “Dificilmente o sistema de cotas resolve a questão da desigualdade na UnB, até porque 20% em um universo de 4 mil alunos ainda é muito pouco. Mas é uma intervenção necessária e imediata”, considera.
O professor acredita que, desde a implantação das cotas, ampliaram-se as possibilidade de formação de um conjunto de professores negros, o que significa uma reconstituição do perfil da elite intelectual brasileira. “Existe uma massa de pesquisas sociológicas e econômicas que têm demonstrado que conforme se sobe na pirâmide educacional brasileira, mais o critério racial se torna relevante”, resume. De acordo com esses estudos, enquanto o critério sócio-econômico é mais relevante que o racial no acesso ao ensino fundamental e médio, quando se trata do acesso a universidade, os dois indicadores tornam-se igualmente relevantes. “O sistema de cotas é importante para reverter esse quadro que é resultante de um conjunto de problemas históricos.”
O diretor do CCN, Ivair Augusto dos Santos, destaca o sistema de cotas como a primeira política focada na população negra. Antes disso, ele cita a aprovação da Lei Afonso Arinos, que punia a discriminação racial no Brasil em 1951 e a criminalização do racismo pela Constituição de 88. “Antes havia uma preocupação em punir. Hoje devemos criar condições para que a população negra acesse a educação em todos os níveis.”
Após décadas a margem do ensino superior, o acesso à universidade é visto como necessário ao pleno exercício da cidadania pela população negra. “Não só o indíviduo, mas toda a sua família é contemplada pela cota. Antes a UnB nem fazia parte do sonho deles.” Para ele, uma vez garantidas as condições para que os alunos acessem a universidade, a preocupação estende-se além do espaço acadêmico. “Devemos ampliar as políticas afirmativas para o mercado de trabalho. Como fazer para ampliar a participação deles no mercado de trabalho?”
“Assim como toda política pública, as cotas não são cem por cento eficazes”, admite o professor Nelson, lembrando as falhas do início, que acabaram por beneficiar candidatos brancos. Esses erros levaram modificação do processo seletivo, que passou a incluir entrevistas registradas por vídeo no lugar de fotografias. “Ser negro no Brasil é uma questão de aparência e não de árvore genealógica. Se o fenótipo serviu durante décadas para discriminar agora deverá servir para incluir.”
UnB Agência
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