
A decisão de Lewandowski foi proferida na noite desta quarta-feira 25, durante sessão da corte que julga a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), movida pelo partido Democratas contra a Universidade. O relator acolheu os cinco princípios da defesa feita pela UnB. “A política de ação afirmativa adotada pela UnB não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição”, concluiu.
Logo após o voto do relator, o presidente do STF, Carlos Ayres Brito, suspendeu o julgamento por falta de quórum. A sessão recomeça nesta quinta-feira 26, a partir das 14h, com o voto dos outros 10 ministros. Se aprovarem o modelo adotado pela UnB, ele poderá ser seguido por todas as outras universidades.
“Esse julgamento histórico do Supremo coloca em debate os conceitos que caracterizam o projeto emancipatório da UnB e a Universidade entrará para a história, mais uma vez, por uma postura inovadora, que é própria de sua história”, avaliou o reitor José Geraldo de Sousa Júnior, que acompanhou a votação no plenário da corte suprema, que foi acompanhado por personalidades como o cineasta Spike Lee, a cantora Sandra de Sá, a ex-governadora do Rio de Janeiro e deputada federal Benedita da Silva, a ministra da Igualdade Racial, Luíza Bairos.
CRITÉRIOS – O pronunciamento de Lewandovski, em um relatório extenso e minucioso, durou cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos e avalizou todos os mecanismos empregados pela UnB, desde 2004, no seu sistema de seleção de alunos com recorte na questão racial, que já atendeu mais de três mil estudantes.
“A reserva de 20% de suas vagas para estudantes negros de todos os estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional”, explicou o ministro. O ministro também julgou procedente o método utilizado para aferir a condição de cotista do candidato ao vestibular. Na UnB, são considerados, de forma combinada, a declaração do próprio estudante e o parecer de uma banca entrevistadora.
REPARAÇÃO – Na primeira parte do julgamento, os ministros do Supremo ouviram os argumentos a favor e contra a manutenção do sistema de cotas. Procuradora federal da União responsável pela defesa da universidade, Indira Quaresma afirmou que o modelo adotado pela UnB “perturbou a ordem exclusivista” de acesso ao ensino superior no Brasil. “Nós, negros, continuamos sendo motivo de alijamento econômico e intelectual. A democracia racial não existe”, lembrou.
Já para a advogada do DEM, Roberta Fragoso Kauffman, que fez a sustentação oral a favor da ação, as cotas por cor de pele acirrariam o preconceito. “Não existe racismo bom. Não existe racismo politicamente correto. Todo o racismo é perverso e precisa ser evitado”, afirmou. A advogada também argumentou não haver critérios objetivos para determinar a cor de pele, em decorrência da miscigenação racial do país.
O advogado-geral da União, Luis Inácio Lucena Adams, endossou o sistema de cotas da UnB, ao lembrar que ações para combater a discriminação já foram adotadas pelo Congresso Nacional, com a edição do Estatuto da Igualdade Racial, e pelo próprio governo federal, com a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. “Racismo já não é um realidade institucionalizada, a discriminação não está nas leis, mas existe como relação cultural, por isso é difícil medir”, observou.
DEBATE – Além da sustentação proferida pelas partes do processo, representantes de movimentos sociais também se manifestaram. A advogada Vanda Gomes Siqueira, que se posicionou contra o modelo da UnB, tentou argumentar que o mais justo seria estabelecer cotas sociais. “O problema do Brasil é a pobreza, não a cor da pele. Isso está causando o ódio racial”, justificou. “Quando os negros iam para a universidade na condição de vigilantes, cozinheiros, bedéis, com todo o respeito a essas profissões dignas, aí o Brasil era mais feliz”, ironizou Hédio Silva Junior, advogado da Conectas Direitos Humanos, ao questionar os papéis “subalternos” ainda exercidos pelos negros na escala social.
“É preciso desconstruir o mito da democracia racial. Basta um olhar na composição dos altos cargos para tentar encontrar um negro e, em contrapartida, olhar as carceragens”, comparou a subprocuradora geral da República, Deborah Duprat. Ex-ministro da Justiça e advogado da Associação Nacional dos Advogados Afrodescententes, Márcio Thomaz Bastos disse que o Supremo tem a chance de se inscrever em longa tradição do pensamento jurídico: "a de tratar desigualmente os desiguais".
DIVERSIDADE – No seu voto, o ministro Lewandovski citou vários casos envolvendo debate sobre cotas raciais em universidades dos Estados Unidos (EUA) e criticou a prevalência do modelo linear de admissão de alunos. “Os critérios ditos objetivos de seleção também geram desigualdade”, destacou, para em seguida pontuar que as universidades “que não integram todos os grupos sociais” não produziriam conhecimento abrangente. “Aqueles que hoje são discriminados tem enorme possibilidades de contribuir”, enfatizou. “As universidades ouvidas sobre o sistema de cotas raciais tem o propósito de promover a diversidade e não resolver um problema social”, observou Deborah Duprat.
O sucesso do sistema de cotas como reparação social nos EUA foi lembrado pelo ministro Joaquim Barbosa, em um aparte ao voto do relator, ao citar o presidente norte-americano Barack Obama. “A que pode levar uma política de ação afirmativa em tão curto espaço de tempo”, disse.
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UnB Agência