Com 244 páginas, a dissertação intitulada "Os indígenas e o ensino superior na Amazônia: realidade e perspectivas da política de ação afirmativa da Ufopa (2010-2015)", defendida em março deste ano, analisou o acesso e a permanência dos alunos indígenas na Universidade no período de 2010 a 2015.“É um recorte temporal grande, para se ter um bom diagnóstico dessa política aqui na Ufopa”, explica Terezinha Pereira.A banca examinadora contou com a participação dos professores doutores Maxim Paolo Repetto Carreno (UFRR), Florêncio Almeida Vaz Filho (ICS/Ufopa) e Gilberto César Lopes Rodrigues (Iced/Ufopa).
Sob a orientação da professora doutora Tânia Suely Azevedo Brasileiro, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Acadêmico em Educação, vinculado ao Instituto de Ciências da Educação (Iced), a pesquisa qualitativa, de corte etnográfico, teve por objetivo analisar a política de ações afirmativas de acesso e permanência dos alunos indígenas ingressantes pelo processo seletivo especial e seu impacto para uma educação de qualidade para os povos indígenas da região. "Hoje temos uma memória histórica e científica do processo seletivo indígena", afirma a orientadora da pesquisa. “A Ufopa hoje tem um documento em mãos, de extrema relevância, para contribuir com uma educação indígena da região, com condições de atender o que realmente esses indígenas vieram buscar”.
Atualmente a Ufopa conta com mais de 300 discentes indígenas, oriundos de 18 etnias. “É uma política que fortalece a importância da educação superior para os povos dessa região. O próprio número de etnias presentes na Ufopa ressalta a importância da Universidade pensar uma política específica”, afirma Terezinha Pereira. “O Processo Seletivo Especial Indígena é importante para a Universidade e para a diversidade de povos desta região, principalmente para os que apresentam mais dificuldades em entrar pelo Enem, aqueles que estão longe dos centros urbanos e que tiveram um processo educacional ainda mais diferenciado. A Universidade tem o compromisso com esses povos, porque poderia ter abolido o PSE, já que tem outra política de acesso, através das cotas”, avalia.
Mesmo consolidado, a pesquisadora ressalta a necessidade de uma avaliação geral do processo seletivo especial. “O acesso está praticamente garantido. No entanto, precisamos verificar alguns pontos para deixar essa política mais ajustada. Além disso, o PSEI precisa ser avaliado institucionalmente por toda a comunidade acadêmica e também pelas lideranças, considerando o processo democrático desse processo durante a realização dos seminários que antecedem a abertura do edital. O objetivo em avaliá-lo é trabalhar suas fragilidades e melhorá-lo mais ainda enquanto política institucional da Ufopa”.
Metodologia - Através de entrevistas realizadas com professores, gestores e alunos indígenas e da análise de relatórios, documentos institucionais e de informações e dados estatísticos fornecidos pela Diretoria de Registro Acadêmico e pela Pró-Reitoria de Gestão Estudantil (Proges), Terezinha Pereira buscou traçar o perfil dos indígenas ingressantes na Ufopa no período de 2010 a 2015, além de resgatar a história do PSEI, desde a sua implantação, em 2010. “Chegamos aos resultados que estão descritos no trabalho, tanto na forma de gráficos quanto de textos, que devem contribuir bastante para Universidade”, afirma a pesquisadora.
A análise se pautou no método da triangulação, onde se buscou compreender o que os documentos oficiais apontam, tanto a nível nacional quanto local; o que gestores e professores anunciam e percebem, principalmente os que vivenciam diretamente a educação indígena dentro da universidade; além da percepção dos próprios alunos indígenas com relação à Universidade. “Os dados coletados mostram que a própria instituição, através de relatórios produzidos pelas comissões, já aponta a necessidade de mudanças, de reformulações, que agora, na dissertação, conseguimos analisar e também apontar a necessidade de observar esses indicativos”, explica Tânia Brasileiro.
Resultados - Terezinha Pereira analisou documentos normativos legais, como o Estatuto, o Regimento Interno e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI/2012-2016) da Ufopa, além dos relatórios das comissões responsáveis pela realização do Processo Seletivo Especial Indígena (PSEI). “Os relatórios são documentos importantes, porque apontam indicadores para o aprimoramento do processo”, avalia. “Já os documentos institucionais, como o PDI, garantem o acesso, mas precisam aprimorar suas diretrizes com relação à permanência desses alunos na instituição”.
Para entender o ponto de vista dos indígenas, a mestranda também analisou memoriais produzidos por alunos indígenas, quando eles ingressaram na Ufopa. “Através dos memoriais produzidos no Centro de Formação Interdisciplinar (CFI), foi possível verificar qual era a expectativa deles com relação à Universidade”, explica. “Por meio de questionários e entrevistas pontuais com os alunos mais antigos, busquei comparar as expectativas do início com a realidade e as dificuldades vivenciadas por esses alunos dentro da instituição”.
Com relação à permanência dos alunos indígenas na instituição, a pesquisa ressalta dois aspectos cruciais: a existência do auxílio financeiro, através de bolsas; e a ausência de uma política pedagógica consolidada para trabalhar a questão do aprendizado desses alunos. “Os auxílios financeiros são uma forma de garantir a permanência do aluno na universidade. Ajuda muito porque muitos alunos vêm de comunidades distantes, moram em casa alugada, trazem a família. Agora em termos metodológicos, pedagógicos, acho que a Universidade precisa implementar políticas concretas, institucionalizadas”, revela. "Falta uma política pedagógica e metodológica institucionalizada, contínua, para garantir a permanência e o sucesso acadêmico dos indígenas enquanto estiverem na instituição".
Para a mestranda, as unidades acadêmicas também precisam ter políticas pedagógicas próprias, voltadas para os estudantes indígenas. “Cabe a cada instituto implantar uma política específica para atender aos seus alunos. Os institutos que têm uma quantidade maior de alunos indígenas precisam de uma política consolidada para ajudar esse aluno no aprendizado”.
Para Tânia Brasileiro, um dos aspectos importantes da pesquisa é a localização de programas para a permanência do discente indígena, que, em sua opinião, tem sido desassistido nos seus aspectos psicopedagógicos. “O aluno entra na Universidade, mas está ficando retido, ou não aprende com a qualidade que se esperava, a partir de suas especificidades”, afirma.
Vivência - Terezinha do Socorro Lira Pereira acompanha o Processo Seletivo Especial Indígena (PSEI) desde 2010, quando ingressou na instituição como servidora concursada. Naquela época, trabalhando no Centro de Formação Interdisciplinar (CFI), teve contato com os primeiros discentes da recém-criada Ufopa, incluindo os indígenas. “Tenho acompanhado desde o início as dificuldades dos alunos, técnicos e professores”, lembra.
Na Pró-reitoria de Gestão Estudantil (Proges), se aproximou ainda mais da temática indígena. “Aqui trabalhamos diretamente com o Diretório Acadêmico Indígena (Dain)”, explica. Em 2015, trabalhou a interpretação textual com os alunos indígenas, especialmente os Wai-Wai, que são bilíngues. “Foi uma boa experiência. Isso só veio a reforçar o meu interesse pela questão indígena”. Em 2016, trabalhou em todas as fases do PSE: inscrições, correção das redações e entrevistas dos candidatos.
Em 2015, submeteu o projeto de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), na linha de História, Política e Gestão Educacional na Amazônia. “Comecei a pensar em elaborar um projeto para desenvolver uma pesquisa de mestrado com essa temática aqui na Ufopa, que era a minha observação bem próxima. Submeti o meu projeto ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Ciências da Educação e consegui a aprovação”.