
Durante a sessão solene, Amélia foi lembrada por amigos, familiares e colegas por sua discrição, sobriedade, generosidade, profissionalismo e espírito crítico.
“A professora Amélia Hamburger é nossa homenageada por merecer esse reconhecimento enquanto mulher brasileira à frente de seu tempo na pesquisa científica e na defesa da democracia, do desenvolvimento científico, tecnológico e da justiça social. Foi, por toda a vida, uma combatente pela liberdade”, disse Murad.
No início da cerimônia o público presente no Salão Nobre do Palácio Anchieta assistiu a um vídeo produzido pelos familiares da cientista no qual, além de fotos e trechos de vídeos de diversos momentos de sua vida, foram exibidos imagens e desenhos de cristais – sobre os quais a cientista pesquisou propriedades magnéticas a baixas temperaturas.
“Amélia era uma colega de interesses absolutamente amplos, mergulhada na comunidade internacional da cultura científica e, ao mesmo tempo, profundamente enraizada no país. Essa era uma de suas características fundamentais. Além dos trabalhos de aplicações e métodos da física, ela se dedicou à epistemologia e história das ciências no Brasil”, destacou o professor Roberto de Azevedo Salinas, do IF-USP.
“Amélia era uma lutadora. Hoje é fácil falar de democracia, as pessoas expõem claramente suas opiniões, mas nos anos duros da ditadura não era assim. Ela vem de uma formação não só de democracia, mas também de coragem”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante a homenagem.
Em sua breve fala, Ernest Hamburger destacou que o espírito que nutre a comunidade cientifica de São Paulo era muito representado pela esposa. E, por isso, a justificativa da homenagem.
Amélia Hamburger nasceu em 12 de julho de 1932, em São Paulo. Após concluir a graduação no Instituto de Física da USP, em 1954, fez o mestrado na Universidade de Pittsburg (1956-1960), onde trabalhou com física nuclear experimental no antigo acelerador de partículas Van der Graaf, e o pós-doutorado na Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos.
De volta ao Brasil, foi professora no IF-USP – onde lecionou por mais de 40 anos – e também uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
“Talvez o traço mais saliente e original de Amélia como cientista tenha sido a sua paixão pela lógica, isto é, o seu projeto sistemático e transmitido não só em conhecimentos, mas no ir além e ensinar a ensinar. Essa intersecção didática é muito rara, sobretudo, em pesquisadores das chamadas ciências duras”, lembrou Alfredo Bosi, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e editor da revista Estudos Avançados.
Bosi falou também sobre a dedicação de Amélia à formação de físicos, que hoje atuam em universidades, e a contribuição de seus trabalhos nas áreas de física e humanidades.
No Instituto de Física da USP, a cientista trabalhou na preservação da memória científica, organizando os arquivos históricos da instituição, além de produzir importantes textos sobre a história da física, da ciência e da arte no Brasil.
Entre seus livros estão Obra científica de Mário Schenberg (Edusp, 2008), vencedor do Prêmio Jabuti em 2010 na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informática, e A ciência e as relações Brasil-França 1850-1950, resultado de seu trabalho com o professor Michel Paty, da Universidade de Paris VII, onde atuou como professora visitante em 1988.
“Amélia foi uma intelectual da cultura, atuou como difusora e articuladora ao propiciar a circulação de ideias e de pessoas”, destacou Olival Freire Júnior, coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCT-MCTI), ao citar também a vinda de Paty ao Brasil, sob responsabilidade da pesquisadora.
História da FAPESP
Ainda no campo da divulgação científica, Amélia também organizou e editou obras sobre a história da FAPESP: FAPESP 40 anos – Abrindo Fronteiras (FAPESP/Edusp, 2004) e FAPESP, uma história de política científica e tecnológica (FAPESP, 1999), com Shozo Motoyama e Marilda Nagamini.
“Sua vida nos ensina que a produção do conhecimento não é apenas uma opção profissional e os resultados acadêmicos têm pouca valia se não forem obtidos com prazer e satisfação”, disse Salinas.
Na área de artes, lançou com Renina Katz Flávio Império, Teatro e Artes Plásticas (Edusp, 1999), da série Artistas Brasileiros, sobre o diretor de teatro e pintor, de quem era irmã mais velha.
“Recordar-se da Amelinha é lembrar de seu olhar firme mas, ao mesmo tempo, doce. Um olhar transbordante de bondade”, descreveu sua prima Maria de Lourdes Homem de Montes durante a homenagem.
“Seu olhar resume tudo. Ele tem um pouco de melancolia e alegria, simultaneamente. É um olhar bonito, de mulher que tem força”, concluiu Fernando Henrique.
Agência FAPESP