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Com 14% da população com mais de 60 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil continua sendo um país de jovens. No entanto, a tendência é que siga envelhecendo cada vez mais rápido. Na avaliação de pesquisadores e especialistas que participam do segundo episódio do programa Ciência Aberta em 2019, com lançamento nesta terça-feira (09/04), o país não se preparou para o aumento na proporção de idosos, que era de 10,8% em 2010 e de apenas 4,1% em 1940. O programa é uma parceria da FAPESP com o jornal Folha de S. Paulo. 
“Enquanto os países desenvolvidos enriqueceram primeiro, para depois envelhecer, nós estamos envelhecendo com pobreza. E não só com pobreza, mas com muita desigualdade”, disse Alexandre Kalache, médico epidemiologista e presidente do Centro Internacional de Longevidade – Seção Brasil.

Ainda segundo Kalache, no caso da França, foram necessários 145 anos (1845 a 1990) para que a população de idosos dobrasse, passando de 10% para 20%. No Brasil, ocorrerá aumento semelhante em apenas 19 anos, entre 2010 e 2029.

“É o tempo de uma geração. Precisaremos nos adaptar e desenvolver políticas públicas sem os recursos que a França teve ao longo do século 20”, disse Kalache, que dirigiu o programa global de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) entre 1995 e 2008.

Para Yeda Aparecida de Oliveira Duarte, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) e da Escola de Enfermagem (EE) da Universidade de São Paulo (USP), não faltam boas políticas para idosos no Brasil, falta realizá-las.

“Pouco tempo atrás, tínhamos a questão do envelhecimento do idoso como primeiro item do Pacto pela Saúde. Mas sem verba, sem meios para implementar. Não precisamos de mais políticas e sim que as existentes sejam executadas”, disse.

Duarte é coordenadora do "Estudo SABE – Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, pesquisa longitudinal de múltiplas coortes sobre as condições de vida e saúde dos idosos do município de São Paulo".

O estudo multicêntrico teve início em 2000, por iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Na primeira edição foram entrevistadas pessoas de 60 anos ou mais de sete grandes cidades da América Latina e do Caribe, entre elas São Paulo. Com apoio da FAPESP, o estudo foi reeditado em São Paulo entre 2006 e 2010 e, em 2016, teve sua quarta edição.

Um bom exemplo de política pública na área é a Rede Mundial de Cidades Amigas das Pessoas Idosas, criada por Kalache quando trabalhava na OMS, que engloba mais de 600 cidades, em 37 países, que estão trabalhando para melhorar ambientes físicos e sociais, favorecendo o envelhecimento saudável.

A rede serve como modelo para o projeto Bairro Amigo do Idoso, que busca implementar na Vila Clementino, zona Sul de São Paulo, medidas que tornem a convivência entre gerações mais harmoniosa e promovam a saúde de pessoas com mais de 60 anos.

O estudo, apoiado pela FAPESP, permitiu mapear o bairro para indicar aos idosos locais e atividades voltados ao lazer e à prática de atividade física, a uma distância que pudesse ser percorrida a pé. O objetivo é estimular hábitos saudáveis.

“Não é a única solução. Mas mostra que é preciso investimento para fazer com que a população reconheça o lugar onde vive e as facilidades e dificuldades para ter uma vida saudável”, disse Luiz Roberto Ramos, coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento (CEE) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), que lidera o projeto.

Risco de retrocesso

Segundo os participantes do programa Ciência Aberta, o avanço observado em termos de expectativa de vida pode ser revertido muito rapidamente se não houver um cuidado permanente.

Kalache comentou que, nos últimos três anos, a expectativa de vida nos Estados Unidos começou a diminuir em vez de aumentar em decorrência das epidemias de obesidade e diabetes. “Há a perspectiva de que as crianças que estão nascendo hoje [nos Estados Unidos] possam viver menos do que seus pais. O país está em 34º no ranking mundial de expectativa de vida, atrás de países muito mais pobres, porém menos desiguais. A desigualdade mata”, disse.

No Brasil, uma amostra do efeito da desigualdade social se dá na diferença de expectativa de vida de acordo com a renda. Duarte mencionou estudo que mostra diferenças na cidade de São Paulo. No bairro Jardim Ângela, no extremo sul da capital, a expectativa de vida é de 55 anos, enquanto no Jardim Paulista, bairro de classe alta, é de 79 anos. Mesmo aqueles que vivem mais nos bairros mais pobres têm uma qualidade de vida pior.

“As pessoas nesses bairros têm condições de vida piores no transcorrer da vida. Justamente porque estão em piores condições sociais, vão adoecer mais, ter piores condições de atendimento e ficarão incapacitadas mais precocemente”, disse Duarte.

O novo episódio de Ciência Aberta, “Envelhecimento”, pode ser visto em: www.fapesp.br/ciencia-aberta.

Confira também os episódios anteriores, que abordaram temas como obesidade, a contribuição das mulheres para o avanço da ciência, depressão em jovens e adolescentes, os novos desafios das cidades e oceanos ameaçados.

Agência FAPESP