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Christina BrechEm 2014, o Brasil ganhou sua primeira Medalha Fields, o maior prêmio da Matemática no mundo, recebida por Artur Ávila, pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e diretor de pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), na França.
A conquista mostra o bom momento da Matemática no Brasil, como também foi evidenciado no 1º Congresso Brasileiro de Jovens Pesquisadores em Matemática Pura e Aplicada, realizado no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) de 10 a 12 de dezembro, com apoio da FAPESP.

“Há grandes trabalhos sendo feitos e certamente ouviremos falar bastante deles. A Matemática está em constante evolução e os jovens pesquisadores brasileiros têm muito a contribuir”, disse Ávila, que participou do evento no IME-USP, à Agência FAPESP.

Ávila recebeu a Medalha Fields por suas contribuições à área matemática dos Sistemas Dinâmicos, que estuda processos que evoluem regidos por leis da Matemática, desde o movimento de uma bola de futebol no ar até o Sistema Solar.

“Nessa área se tenta dizer algo sobre sistemas que são regidos por leis simples, mas nos quais, em longo prazo, coisas muito complexas acontecem. Aprendemos desde cedo que um sistema planetário, por exemplo, é regido pela lei da gravitação. Um planeta em torno do Sol, segundo essa lei, descreve uma elipse, mas, quando consideramos vários planetas juntos, a partir das leis de Newton, chega-se a comportamentos difíceis de se descrever com o tempo”, disse Ávila (veja mais na entrevista em vídeo).

O matemático disse estar animado com as pesquisas apresentadas em sua área e em outros campos da Matemática durante o congresso no IME-USP. “O importante é que os caminhos da pesquisa matemática não sejam obstruídos.”

Outro jovem matemático de destaque no congresso foi Pedro da Silva Peixoto, professor do IME-USP, que se prepara para dar continuidade, no Reino Unido, aos seus estudos iniciados no doutorado – concluído no ano passado e que resultou em um teorema que identifica uma classe de erros nos métodos matemáticos de previsão do tempo.

Na University of Exeter, Peixoto integrará uma equipe internacional de pesquisadores dedicados a desenvolver modelos matemáticos para previsões do tempo mais precisas. Peixoto conduz a pesquisa “Modelagem numérica de fluidos geofísicos em malhas geodésicas”, que tem apoio da FAPESP.

“A maioria dos modelos de previsão do tempo globais usados atualmente tem baixa resolução e vai ficar obsoleta nos próximos anos. Boa parte da matemática por trás desses modelos precisa ser reformulada e preparada para os avanços computacionais da área. O Reino Unido montou um time de pesquisadores para trabalhar nessa atualização que possibilitará previsões com maior precisão – resolvendo fenômenos globais, ao mesmo tempo em que estima condições em bairros de uma cidade”, disse.

A baixa resolução a que se refere Peixoto decorre, segundo ele, dos limites dos modelos matemáticos atuais, que utilizam coordenadas de latitude e longitude para estabelecer as regiões de cobertura.

“Isso resulta em uma previsão do tempo limitada a uma resolução de até 10 quilômetros, um espaço bastante amplo. Pretendemos aprimorar a Matemática quando dividimos essa esfera em malhas geodésicas, que são unidades geométricas como hexágonos e pentágonos. Dessa forma, temos várias partes da região com maior riqueza de detalhes. Mas também temos uma Matemática mais complexa por trás”, disse.

O trabalho de Peixoto coordenado pela University of Exeter será realizado junto ao Met Office, o serviço nacional de Meteorologia do Reino Unido, em parceria com o Imperial College London e outras universidades. “O Brasil tem interesse em aprimorar seu modelo de previsão do tempo e o envolvimento de brasileiros em pesquisas internacionais na área precisa ser incentivado”, disse.

Entrevista com Artur Ávila (YouTube)
http://youtu.be/rVik9H36rdc

Matemática sem fronteiras

Atuando em outra frente da Matemática, sem aplicação prática imediata, Christina Brech, do IME-USP, pesquisa as interações entre a Teoria dos Conjuntos, que estuda a associação entre objetos, e os Espaços de Banach. “Esses espaços são generalizações matemáticas que imitam, por exemplo, os ambientes em que vivemos”, explicou.

De acordo com Brech, que está à frente da pesquisa “Métodos combinatórios em Espaços de Banach”, realizada com apoio da FAPESP, a Teoria dos Conjuntos pode ajudar a entender melhor esses espaços e a desenvolver a área. Essa seria a aplicação da Matemática pura: fazer a Matemática avançar.

Para a pesquisadora, os limites entre as Matemáticas Pura e Aplicada precisam ser transpostos. “A Matemática tem um lado estético muito forte, que aparece de forma mais explícita na Matemática Pura. A Teoria dos Conjuntos, por tratar dos objetos matemáticos mais simples que existem, sem estrutura alguma, talvez seja uma das áreas em que isso é ainda mais evidente.”

No Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Olivâine Santana de Queiroz também se propõe a solucionar problemas matemáticos complexos para desenvolver a área a que se dedica, das equações diferenciais parciais – que contêm uma ou mais funções desconhecidas.

“Buscamos desenvolver métodos e técnicas na área que possam ser aplicados em problemas da indústria relacionados, por exemplo, a regularidades de soluções, mas é um trabalho essencialmente teórico, sem interação imediata com outras áreas”, explicou.

Em última instância, os avanços em equações diferenciais parciais podem ajudar engenheiros a simular em computador problemas enfrentados no processo de produção com maior fidelidade.

“Buscamos demonstrar que esses modelos utilizados satisfazem todas as propriedades esperadas. Esse é o legado da Matemática Pura: fazer com que o conhecimento avance para que todo o seu potencial seja alcançado em qualquer aplicação”, disse Queiroz.

Novas pesquisas em matemática

As fronteiras entre as Matemáticas Pura e Aplicada e outras questões da área, como a formação de novos pesquisadores, foram discutidas no congresso em mesa-redonda que reuniu representes de entidades da área e agências de fomento à pesquisa.

“Percebe-se um grande potencial para o avanço da pesquisa em Matemática, que é notório e internacionalmente reconhecido e precisa ser cada vez mais estimulado, desde a formação básica à superior”, disse Marcos Benevenuto Jardim, membro da Coordenação de Área de Matemática e Estatística da FAPESP.

Jardim apresentou, durante o congresso, as possibilidades de apoio a pesquisa oferecidas pela FAPESP – entre elas, o Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. “Trata-se de uma oportunidade de desenvolvimento de potenciais em uma área repleta de pesquisadores promissores”, disse.

O matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências, pesquisador e ex-diretor do Impa, participou das discussões e disse que os pesquisadores da área precisam de mais ousadia. “Essa é uma qualidade importante dos cientistas, não só dos matemáticos. O cientista precisa ser ousado e, eventualmente, atropelar os caminhos tradicionais. Hoje em dia há mais oportunidades, mas não se deve ficar preso a elas.”

Artur Ávila chamou a atenção para os desafios enfrentados ainda mais cedo, no ensino fundamental. “Um grande obstáculo para o desenvolvimento da Matemática no Brasil, apesar de todos os avanços já conquistados, é fazer com que as pessoas a percebam para além da docência e conheçam a existência da pesquisa na área, que ainda é tratada de forma obscura.”

Para o pesquisador, a Matemática é apresentada às crianças e aos jovens de maneira pouco convidativa. “Os mais novos entendem que se trata de algo 'formulaico' e de mera memorização, de seguir regras sem questioná-las e com pouco espaço para a imaginação, quando é o oposto disso e foi o que me atraiu para a Matemática”, contou.

Ávila acha que sua premiação com a Medalha Fields pode ajudar a desmitificar a Matemática entre os mais novos. “A pesquisa brasileira na área está em evidência e de uma maneira positiva, mostrando aos mais jovens que existe e é reconhecida, importante. A Matemática é viva e cheia de entusiasmo”, disse.

Agência FAPESP