Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
amazzonia“Quando a cientista Bertha Becker esteve recentemente na USP, fez uma sutil provocação a essa conversa da sustentabilidade e da intocabilidade da floresta amazônica, questionando a tentativa de resolver a questão da Amazônia com bolsas. Um incentivo federal recentemente criado para preservação ambiental distribui R$ 100 a cada três meses para ninguém mexer na floresta.
Isso é um absurdo numa região onde há 11 municípios entre os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Temos que tocar na floresta de uma maneira inteligente, pois a questão é deixar o homem de pé, utilizando um portfólio impressionante de condições oferecidas pela floresta.” As palavras do filósofo e ensaísta manauara Alfredo Lopes dão a tônica do seminário realizado no dia 8 de novembro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, sob a organização do ex-reitor Jacques Marcovitch, professor da FEA.

Com apoio do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da USP, o evento discutiu novos cenários econômicos para a Amazônia a partir dos resultados dos estudos desenvolvidos no âmbito da disciplina EAD-5953 – Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, oferecida pelo Departamento de Administração da FEA. As recomendações extraídas de 20 trabalhos de alunos sobre o tema “Fundo Amazônia: evolução recente e perspectivas” estão nesta página.

Para debater pioneiros da Amazônia, cenários para a região, empreendedorismo, inovação e tecnologia, o seminário Amazônia: Cenários, Pioneiros e Utopias reuniu alguns ícones do fazer e pensar a Amazônia. Ao lado do ensaísta e consultor em sustentabilidade e comunicação institucional, que também escreve para diversos jornais, esteve um dos criadores da Embrapa Instrumentação Agropecuária (São Carlos, SP), Silvio Crestana. A agricultura transmutada em bioindústria e as tecnologias implantadas na região foram alguns tópicos abordados por Crestana.

Mas se a pauta era também discutir contribuições para políticas públicas, estratégias empresariais e programas de inovação para a Região Norte, nada mais exemplar que o caso da desenvolvedora de insumos e produtos bioindustriais Beraca. A empresa brasileira e seu Programa de Valorização da Biodiversidade realizado nas comunidades locais foram o foco da apresentação do representante corporativo Thiago Augusto Terada. A aplicação de métricas de sustentabilidade e o uso da certificação orgânica agregaram valor aos seus produtos e atraíram parceiros de peso à história de 50 anos da Beraca, que distribui bioprodutos da floresta para marcas internacionais.

“Há uma incompreensão geral dos recursos da Amazônia, não só pelos gestores do fundo, mas por todo o País. Poderíamos abastecer o mundo com proteína da melhor qualidade, mas há um enorme desconhecimento das espécies de peixes e seus manejos. Em 1992 um ministro chinês pediu 4 mil alevinos de tambaquis como lembrança da floresta e hoje a China é o maior produtor mundial da espécie, que tem grande glamour em restaurantes de Nova York, os quais são abastecidos por chineses”, criticou Lopes.

O episódio da borracha, a falta de cientistas estudando a região, a pobreza do lugar e tantos outros dissabores protagonizados pelo patrimônio mais cobiçado da humanidade foram ressaltados por Lopes em sua palestra. Esses e outros temas caros ao ensaísta têm sido alvo de artigos assinados por ele periodicamente em jornais da região e que agora estão reunidos numa coletânea lançada durante o evento.  O livro Amazônia – pioneiros e utopias, do Instituto Census Educação & Editora, foi autografado por Lopes após os debates.

“Para nossa dor de cotovelo, há alguns anos São Paulo é o maior produtor brasileiro de látex. Mas seria muito lucrativo para os dois estados manter uma parceria de mudas. E com o aperfeiçoamento genético da Embrapa, hoje é possível realizar a produção da borracha nos moldes sonhados por Henry Ford há cem anos”, disse Lopes.

Nesse sentido, o professor Marcovitch e Lopes lembraram as lições de pioneiros da Amazônia, como Issac Benayon Sabbá, Mário Expedito Neves Guerreiro, Petronio Augusto Pinheiro, Antônio Simões, Osmar Pacífico e Cosme Ferreira, a saga da família Benchimol e outros exemplos para o desenvolvimento da região.

Lopes também falou da presença desarticulada da academia na Amazônia. “Há pelo menos 400 iniciativas de pesquisa que não conversam entre si”, disse. Para Lopes, um grande desafio na região é aproximar parceiros e projetos e fazer da floresta e das pessoas que nela habitam soluções para o Brasil. “Um bem só tem sentido com o trabalho do homem. Como manter a floresta em pé se o homem está caído?”, questionou.

Na sala Ruy Leme, da FEA, o seminário contou também com a intervenção do diretor executivo do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), Alberto Pfifer.

Fundo Amazônia

Se a borracha, seus tambaquis, açaís e tantas outras riquezas viraram ouro no estrangeiro, a Amazônia precisa repensar sua trajetória, suas políticas e estratégias. Nesse escopo, os estudos desenvolvidos pelos alunos da FEA revelaram a limitada capacidade de utilizar os recursos recebidos pelo Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A partir dessa constatação, os documentos apontam a necessidade de reduzir custos operacionais na gestão do fundo e de viabilizar a replicabilidade de projetos exitosos para toda a região, entre outras importantes recomendações, conforme relatório publicado no site da disciplina.

Constituído em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações de instituições multilaterais e já recebeu aportes dos governos da Noruega, Alemanha e da Petrobras, num valor de R$ 1,3 bilhão, recurso a ser direcionado para ações de prevenção e combate ao desmatamento, bem como para a conservação e uso sustentável das florestas do Bioma Amazônia.

Mas a limitada capacidade na utilização desses recursos após cinco anos da implantação do FA demonstram a necessidade de desburocratização de sua gestão, da implementação de cursos de capacitação, da criação de um ambiente apropriado para pequenas e médias empresas ganharem competitividade, da replicabilidade de projetos exitosos a fim de melhor aproveitar a curva de aprendizagem, assim como a racionalização da gestão a fim de reduzir seus custos operacionais. As recomendações incluem também a necessidade de abreviação do tempo de análise de cada projeto e uma maior transparência nas métricas utilizadas para medir resultados e impactos dos Relatórios de Atividades do Fundo Amazônia (Rafa), emitidos anualmente.

Finalmente, os papers elaborados pelos alunos recomendam a implantação de uma rede do FA, integrada por cientistas locais e em condições de recorrer de algumas das decisões tomadas pelo BNDES.

“Trata-se de caminhar a passos mais largos na busca de um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia”, afirma Marcovitch.

Sylvia Miguel / Jornal da USP