A análise foi feita por Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na palestra que proferiu no encontro do Ciclo de Conferências do Ano Internacional da Química 2011 sobre “Química medicinal: desafios e perspectivas”, realizado em 8 de junho, no auditório da FAPESP.
Segundo ele, em 2010 as indústrias farmacêuticas lançaram 15 moléculas bioativas contra 39 introduzidas no mercado em 1997. “Em função dessa crise de criatividade, as empresas farmacêuticas, que faturaram US$ 850 bilhões em 2010 em todo o mundo e investiram 10% desse valor em pesquisa, desenvolvimento e inovação, voltam seus olhares para as moléculas desenvolvidas nas universidades, que podem ser mais capazes de inovar em química medicinal do que os bem equipados laboratórios industriais”, disse.
Para Barreiro, as moléculas bioativas mais inovadoras surgidas nas últimas décadas foram desenvolvidas nos laboratórios das indústrias farmacêuticas mas com base no conhecimento produzido em universidades e centros de pesquisa.
O exemplo mais emblemático, de acordo com o cientista, é do cloridato de propanolol. O primeiro betabloqueador seguro para uso humano, que revolucionou o tratamento da hipertensão, foi desenvolvido pelo escocês James Black no fim nos anos 1950 com base na aplicação de conhecimentos formulados pelos alemães Hermann Emil Fischer e Paul Ehrlich.
Fischer e Ehrlich foram pioneiros na formulação da ideia de que cada molécula tinha um biorreceptor – um alvo específico para uma doença. Com base nisso, Black desenvolveu um molécula quimicamente simples, mas eficiente no tratamento de doenças coronárias e seus sintomas
“A descoberta dessa molécula por Black estimulou outros cientistas a ampliar a família de betabloqueadores. E, hoje, praticamente todas as empresas farmacêuticas presentes no mercado mundial têm um betabloqueador em seu portfólio de medicamentos”, disse Barreiro.
Além do propanolol, o professor da UFRJ citou como exemplos de inovação terapêuticas a cimetidina, também descoberta por Black em 1960 e que permitiu o controle da úlcera péptica; a sinvastatina, lançada em 1979 e voltada para redução dos níveis de colesterol; e o captropil, utilizado para o tratamento de hipertensão arterial, que foi desenvolvido com base em pesquisas brasileiras sobre peptídeos presentes no veneno da jararaca.
Compostos sintéticos
Coordenada por Heloisa Beraldo, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ciclo de conferências sobre química medicinal contou também com a participação de Silvia Regina Roggato, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, e Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Dos 1.184 novas compostos químicos que entraram em fase de testes clínicos e se tornaram medicamentos nos últimos anos, 52% foram provenientes de produtos naturais”, destacou Dias. “Um deles é a atorvastatina, princípio ativo do medicamento mais vendido no mundo e o mais potente para a redução dos níveis de colesterol plasmático: o Lipitor.”
Lançado em 1985, o composto foi desenvolvido a partir de um produto natural, o fungo compactina. Por meio de modificações estruturais na molécula do produto natural utilizando ferramentas e subsídios da química medicinal, o pesquisador Bruce Roth, da indústria farmacêutica Pfizer, conseguiu criar uma estrutura da molécula com efeito terapêutico bem mais eficiente.
A patente da molécula, que é considerada o ácido carboxílico mais valioso do planeta, faturando US$ 13 bilhões em vendas, expira este ano no mercado norte-americano.
De olho nessa oportunidade, Dias e outros pesquisadores de seu grupo de pesquisa em síntese de produtos naturais bioativos no IQ, da Unicamp, conseguiram sintetizar no ano passado a molécula, por uma rota inédita, em uma escala de cerca de 1 grama.
“Conseguimos sintetizar essa molécula, que tem uma estrutura relativamente complexa, por uma nova rota que envolveu inovações incrementais e é diferente das que até então vinham sendo empregadas e descritas na literatura”, afirmou.
O desenvolvimento foi realizado no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar), sediado no Rio de Janeiro e coordenado por Barreiro, e do qual Dias e Beraldo são membros do comitê gestor.
De acordo com estimativas do setor farmacêutico, mais de 90% dos princípios ativos utilizados hoje no Brasil para a produção de medicamentos genéricos são provenientes de países como a Índia e China.
“A indústria farmoquímica brasileira usa esses insumos, muitas vezes impuros, fazem purificações, pequenas modificações estruturais, encapsulam e colocam no mercado. É assim que são produzidos os medicamentos genéricos no país hoje. E nós temos competência para sintetizar o princípio ativo não só de uma molécula como a atorvastatina, mas de outras moléculas mais simples e com impactos no Sistema Único de Saúde e no programa Farmácia Popular. E isso precisa ser incentivado”, destacou Dias.
O ciclo, promovido pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, integra as comemorações oficiais do Ano Internacional da Química, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac, na sigla em inglês).
O ciclo é coordenado por Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do comitê nacional de atividades do AIQ-2011 da SBQ, e por Mariluce Moura, diretora de redação de Pesquisa FAPESP.
O próximo evento, com o tema “Biodiversidade & Química”, será realizado no dia 19 de julho, a partir das 13h30, no auditório da FAPESP. Mais informações: www.fapesp.br/eventos/aiq.
Agência FAPESP