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O conhecimento científico é fundamental para que a humanidade possa avançar em relação a dois dos principais desafios contemporâneos: a conservação dos ecossistemas florestais e o aprimoramento das políticas públicas de saúde. Esse foi o mote do debate realizado por especialistas em torno dos dois temas nesta quinta-feira (14/10), durante o Seminário Internacional Ciências Florestais, Medicina Preventiva e Saúde Pública, em São Paulo, promovido pela FAPESP e pela Fundação Bunge.
O evento fez parte das atividades do 55º Prêmio Fundação Bunge e do 31º Prêmio Fundação Bunge Juventude. Cada um deles foi concedido a pesquisadores que atuam nas áreas de “Ciências Florestais” e “Medicina Preventiva e Saúde Pública”. O seminário contou com apresentações dos quatro pesquisadores brasileiros premiados, além de dois convidados estrangeiros.

No tema das Ciências Florestais, Niro Higuchi, da Coordenação de Silvicultura Tropical do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), foi o vencedor na categoria “Vida e Obra”, enquanto Alexandre Fadigas de Souza, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), ganhou na categoria “Juventude”.

Na área de Medicina Preventiva e Saúde Pública, Isaias Raw, presidente do Conselho Técnico-Científico da Fundação Butantan, ganhou o prêmio na categoria “Vida e Obra” e Guilherme de Sousa Ribeiro, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), recebeu o prêmio na categoria “Juventude”.

Além de diploma e medalha, os agraciados na categoria “Vida e Obra” receberam R$ 100 mil e os contemplados em “Juventude” foram premiados com R$ 40 mil. A cerimônia de premiação foi realizada na quarta-feira (13/10), na Sala São Paulo, na capital paulista.

A programação do seminário contou ainda com apresentações de Jean-Paul Laclau, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, e de Sergio Sosa-Estani, chefe da unidade de epidemiologia do Centro Nacional de Diagnóstico e Pesquisa do Ministério da Saúde da Argentina.

Na abertura do evento, Celso Lafer, presidente da FAPESP, ressaltou que o seminário, organizado em torno dos temas que foram objetos das pesquisas, foi concebido para ampliar o significado da premiação.

“A ideia de aproveitar a premiação para organizar um seminário sobre aquilo que configura a identidade intelectual dos vencedores é uma oportunidade de dar sequência àquela que é uma das missões da FAPESP, além de respaldar e apoiar a pesquisa: divulgar os resultados das atividades de pesquisa e o conhecimento, estimulando assim o seu avanço”, disse.

Lafer destacou também que os dois temas escolhidos para a premiação correspondem a áreas nas quais o Brasil tem grande necessidade de avanços científicos.

“Ciências Florestais é fundamental no capítulo da sustentabilidade. A medicina preventiva, por outro lado, também é um assunto da maior relevância, e, por isso, a FAPESP despende um volume maior de recursos para a área de saúde lato sensu. O Brasil tem uma clara consciência dessas necessidades”, afirmou.

Jacques Marcovitch, presidente do Conselho Administrativo da Fundação Bunge, situou os temas entre os principais desafios brasileiros no contexto global.

“Esse contexto é marcado por três grandes crises: a crise financeira e econômica, a crise do meio ambiente e da sustentabilidade e a crise de segurança internacional, com a proliferação de armamentos nucleares”, disse.

Segundo ele, além dos três planos as discussões que precederam a escolha dos temas da premiação e do seminário também identificaram três convicções nacionais.

“O Brasil está convicto de que pode e deve erradicar a miséria, tomar responsabilidade sobre seu próprio território e se tornar um ator central no plano mundial. Tanto as três crises como as três convicções se constituem em oportunidades para a nossa juventude. Temos muito a fazer, por isso é importante discutir o conhecimento que está em construção”, afirmou.

Novas ferramentas

Fadigas de Souza falou em sua apresentação no seminário sobre a importância do desenvolvimento de novas ferramentas matemáticas aplicadas à ecologia de populações vegetais, que permitem a elaboração de previsões numéricas e quantitativas sobre o comportamento futuro desses organismos.

“Temos utilizado ferramentas geoestatísticas para compreender a distribuição espacial das plantas, em associação com os chamados modelos matriciais, para compreender a dinâmica temporal das florestas. São ferramentas muito úteis que permitem descrever muito melhor o que está ocorrendo na natureza”, disse à Agência FAPESP.

O pesquisador, que teve contato com essas ferramentas durante seu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), atualmente aplica as mesmas abordagens em estudos sobre a floresta de araucárias, no Rio Grande do Sul.

“Esses estudos poderão se tornar muito mais precisos quando passarmos a utilizar modelos baseados em indivíduos. Com eles, poderemos simular nos computadores o que ocorrerá com cada indivíduo em uma população vegetal. Com o uso de abordagens cada vez mais sofisticadas, poderemos compreender o funcionamento de toda a floresta – o que terá um impacto incalculável nas possibilidades de manejo ambiental”, disse.

Os modelos baseados em indivíduos já existem no hemisfério Norte, segundo Fadigas de Souza, mas os cientistas brasileiros terão um longo trabalho pela frente se quiserem adaptá-los para aplicação nas florestas locais.

“No hemisfério Norte há florestas enormes com apenas cinco ou seis espécies vegetais. As nossas florestas muitas vezes têm 300 espécies, e isso contando somente as árvores. O desafio é fazer modelos sofisticados rodarem com tantas espécies. Esse é o trabalho que temos pela frente”, afirmou.

Quando a adaptação tiver sido concluída, os pesquisadores brasileiros poderão responder questões cruciais a respeito da dinâmica florestal, segundo o professor da Unisinos. “Saberemos, por exemplo, se o extrativismo sustentável é viável e qual é a estabilidade da composição de espécies em florestas nativas”, disse.

Higuchi falou no seminário sobre o desafio de compreender o papel da Floresta Amazônica no processo de mudanças climáticas globais. Segundo ele, o aspecto central das pesquisas com esse objetivo consiste em desenvolver métodos para calcular a quantidade de carbono disponível na floresta – seja ele estocado, sequestrado, fixado ou emitido pelo desmatamento.

“O volume de madeira é uma das variáveis mais importantes a se considerar. Calculando com precisão esse volume, podemos avaliar qual é o estoque de carbono disponível. Mas o grande desafio, além de medir o estoque e compreender os processos de fixação de carbono na floresta, consiste em saber qual é a magnitude das trocas de carbono entre a floresta e a atmosfera”, apontou.

O método utilizado pelo grupo de Higuchi no Inpa para fazer essa avaliação se baseia em uma equação matemática que relaciona algumas variáveis das árvores, como o diâmetro e a altura, com a biomassa. Para fazer as medidas, é preciso derrubar, serrar e pesar as árvores.

“Estudamos 1.527 árvores que variam de 5 quilos a 30 mil quilos. Medimos o teor de água nas diferentes partes de cada uma delas, para determinar o peso seco da árvore e avaliar a quantidade de carbono. De uma peça de madeira seca, 48,5% é carbono. A partir desses dados, fizemos um inventário florestal e concluímos que o estoque na Amazônia é de uma média de 160 toneladas de carbono por hectare por ano”, disse.

O grupo do Inpa descreveu uma série de fenômenos climáticos que têm atingido a região amazônica, enfatizando a necessidade de estudos sobre a dinâmica da troca de carbono entre floresta e atmosfera.

“Todos se lembram da grande seca de outubro de 2005 como um marco dos impactos das mudanças climáticas globais sobre a Amazônia. Mas poucos se lembram de um fenômeno extremo de chuvas convectivas ocorridas entre 16 e 18 de janeiro de 2004, que atingiu toda a região. Estudamos o resultado desse fenômeno atípico sobre a floresta na nossa área experimental de pesquisa e ele foi devastador, equivalente a um corte raso”, disse.

As chuvas convectivas causaram a morte de 500 milhões de árvores naquele mês, segundo Higuchi. O grupo iniciou o trabalho de campo em 2006 e em 2010 publicou na revista Geophysical Research Letter um artigo descrevendo o novo fenômeno.

“Outro fenômeno singular ocorreu em 2009, quando tivemos um recorde de cheias da Amazônia. Tratava-se do chamado ‘El Niño Modoki’. Em vez de ocorrer no Natal, como o El Niño, esse fenômeno teve início em julho de 2009, com pico em outubro e terminou só em julho de 2010”, disse.

Doença socioeconômica

Guilherme de Sousa Ribeiro falou a respeito de seus estudos sobre a dinâmica de transmissão da leptospirose urbana e seu impacto na saúde pública. De acordo com o cientista, a doença tem uma profunda correlação com a desigualdade social, com alta incidência em áreas sem infraestrutura adequada em relação a saneamento e moradia. A maior parte dos casos da doença, segundo ele, são subclínicos – isto é, não apresentam sintomas.

“A partir de 1995 começamos a fazer um trabalho de vigilância ativa em Salvador e identificamos cerca de 2,7 mil casos de leptospirose grave no período que vai de 1996 a 2009. Verificamos verdadeiras epidemias anuais, fortemente correlacionadas ao índice pluviométrico da cidade. A doença aparecia sempre nas áreas mais pobres da cidade, com incidência de 6 casos por 100 mil habitantes. A letalidade é de 13% e, na forma hemorrágica pulmonar, chega a 77%”, disse.

O grupo realizou, entre 2004 e 2006, um estudo de seguimento de coorte (estudo observacional com classificação de acordo com o estado de exposição para avaliar a incidência de uma doença) na comunidade de Pau da Lima, em Salvador. No início o estudo incluiu mais de 2 mil pessoas, caindo a 1.264 indivíduos no fim do período. Houve 102 casos de infecção.

“Em 2009, fizemos um trabalho de vigilância populacional na única unidade de saúde situada em toda a área da comunidade, que tem 62 mil habitantes. Qualquer paciente com febre referida era examinado para verificar se tinha a doença. Entre janeiro e dezembro, 6,5 mil pacientes foram registrados com síndrome febril aguda. Desse total, 1.239 foram estudados. No total, 13 pessoas – cerca de 1% da amostra – tiveram diagnóstico confirmado para leptospirose”, afirmou.

A partir de estudos de coorte baseados em diferentes metodologias, os pesquisadores estimam que a cada caso grave da doença devem ocorrer cinco casos leves e 112 casos subclínicos.

“Com o uso de modelos aditivos generalizados, vimos que o risco de infecção aumenta à medida que os domicílios se localizam em locais mais próximos dos fundos de vale. Aumenta também em proporção inversa à renda domiciliar per capita. E aumenta ainda em relação à proximidade entre as casas e o esgoto a céu aberto”, disse.

Sofisticação tecnológica

Isaias Raw apresentou um quadro geral das atividades do Instituto Butantan no desenvolvimento de tecnologia e na produção de imunobiológicos. Segundo ele, o instituto paulista está cada vez mais concentrando suas atividades na área de pesquisa básica.

As vacinas são distribuídas pelo Ministério da Saúde. Raw enfatizou as qualidades desse modelo de desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas.

“É uma situação muito diferente e muito melhor que a de outros países. A Índia, por exemplo, tem uma imensa indústria de biotecnologia e de vacinas, mas não vacina ninguém e continua sendo um repositório de diversas doenças. Isso ocorre porque, naquele país, o governo não se articula com a indústria. A produção de vacinas é um negócio lucrativo que compete no mercado global e a população continua sem acesso à vacinação”, afirmou.

Embora o instituto se dedique à pesquisa básica, segundo Raw, os seus laboratórios buscam encontrar soluções tecnológicas que permitam viabilizar uma produção suficiente para cobrir a totalidade da demanda nacional. Segundo Raw, esse modelo levou a uma sofisticação tecnológica que não tem paralelo em nenhuma instituição pública.

“A fábrica de vacina de influenza e a fábrica de hemoderivados – que será a mais moderna do mundo em termos de tecnologia – são exemplos de sucesso desse modelo. Grande parte dos países usa um modelo que se baseia em comprar a vacina pronta, formular e vender. Mas o verdadeiro desenvolvimento é feito em poucos lugares do planeta. Há basicamente cinco companhias que dominam a produção mundial de vacinas – e elas não perdoam os países que querem ser autossuficientes”, afirmou.

Raw destacou o avanço conquistado na produção da vacina contra coqueluche, desenvolvida no instituto. Segundo ele, as vacinas seguras contra coqueluche custam 50 vezes mais que as vacinas normais – como a que era utilizada no Japão, causando a morte de muitas crianças vacinadas.

“Pesquisamos e chegamos a uma tecnologia que se baseava na remoção de um componente que causa o processo inflamatório – um lipopolissacarídeo. Quando conseguimos removê-lo, pudemos desenvolver uma vacina mais eficiente e mais barata do que a original. O componente removido foi usado para a produção de adjuvantes para a fábrica de vacina contra influenza. Hoje, somos autossuficientes também na produção de adjuvantes”, disse.

Mais informações: www.fapesp.br/fundacaobunge2010

Agência FAPESP