Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
- Viver é desenhar sem borracha (Millôr Fernandes).
- Eu tenho para comigo que o cientista só fala da região e dos aspectos que ele conhece e, no caso de um cientista que tem preocupações com o panorama desgraçado das desigualdades sociais e dos problemas do Terceiro Mundo, o cientista tem que ter um olho na ciência e um olho na aplicação da ciência. (Aziz Ab'Saber).
O Brasil perdeu parte de sua inteligência. Uma parte que não só acumulava grande bagagem intelectual, mas que usava esse conhecimento para combater injustiças e denunciar abusos de poder. As mortes do geógrafo Aziz Ab'Saber e do jornalista Millôr Fernandes, ocorridas nos últimos 12 dias, empobrecem o debate público no Brasil. Na academia e na imprensa, Aziz e Millôr deixaram contribuições fundamentais de conhecimento, espírito crítico e atuação política.

Aziz foi um dos principais pesquisadores do relevo brasileiro. Descobriu que a chamada "planície amazônica" não existe, revelando as cachoeiras e a variedade de relevos que compõem a região. Verificou que os solos amazônicos são frágeis e sujeitos à erosão. Também foi um dos autores que batizou a região entre a Serra da Mantiqueira e a Serra no Mar, localizada na intersecção entre os estados de Sâo Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, de "mar de morros".

"Foi um grande defensor da Amazônia", lembra o colega geógrafo Aldo Paviani, professor emérito da UnB. "Ele combateu a turma do agronegócio, era uma referência na defesa da população ribeirinha e dos pequenos agricultores". Aziz também combateu a transposição do Rio São Francisco, que para ele só traria benefício aos grandes empreendimentos, e denunciou erros em pesquisas sobre o aquecimento global, mas suas palavras não encontraram ecos nos governantes. Manteve até o fim da vida essa postura crítica, combativa. "O geógrafo que quer merecer esse nome, tem que se engajar nas coisas que lhe parecem mais corretas", avalia Paviani.

Para professor da UnB, no entanto, Aziz merece ser mais reconhecido pela sua atuação acadêmica do que pelas lutas sociais. "Na área científica, ele foi muito vitorioso. Foi o maior geomorfólogo brasileiro", afirma.

Sobre Millôr, o pesquisador José Luís Braga, ex-professor da Faculdade de Comunicação da UnB, também prefere destacar sua contribuição intelectual. "Era uma dos humoristas mais sérios do país, por mais paradoxal que isso pareça", afirma. "Temos tendência de minimizar o humor, como uma coisa mais trivial, mas ele era um intelectual seríissimo em diversas áreas, não só no humor, mas também na dramaturgia, na crítica e na tradução. Era uma sumidade, lia em seis, sete línguas, fez traduções de obras complexas, inclusive de Shakespeare no original".

No jornalismo, Millôr trouxe reflexões arrebatadoras sobre a vida, os costumes e o Brasil. Inimigo do formalismo, da linguagem empertigada, renovou a imprensa brasileira participando do Pasquim, jornal alternativo que fez enorme sucesso com críticas ácidas ao regime militar. "As entrevistas coletivas do Pasquim eram de uma originalidade extraordinária. As pessoas se expunham abertamente e isso era conseguido graças ao clima de informalidade adotado", lembra Braga, cuja tese de doutorado foi sobre a publicação. Ele lembra que o material era impresso sem edição, e não foram poucas as vezes que palavrões eram cortados já na gráfica. Segundo Braga, as tiradas de Millôr ajudavam o país "a respirar".
 
"Foi um trabalho singular. Embora compartilhe um mesmo momento político com outros, como Jaguar, Henfil, Ivan Lessa e Ziraldo, compartilhando posturas, nunca tivemos alguém com esse perfil, com essa personalidade crítica, no elenco de atividades que realizava, no tipo de humor", diz o pesquisador. "Millôr é irrepetível".

Leia mais:

Professor Isaac Roitman analisa legado de Aziz Ab'Saber, Millôr Fernandes e Chico Anysio

José Negreiros, editor da UnB Agência, fala da lacuna deixada por Millôr Fernandes

UnB Agência