A pesquisa, intitulada "A aliança de casamento na América do Sul tropical: estudo de duas redes empíricas", teve por objetivo compreender a complexa rede formada pelas relações de parentesco e resultou no desenvolvimento de uma ferramenta computacional capaz de auxiliar no entendimento.
Para o estudo, foram utilizados dois sistemas de aliança de casamento, o dos waimiri-atroari, localizados nos estados de Roraima e Amazonas, e o dos enawenê-nawê, no Mato Grosso.
Silva conta que as duas populações indígenas pesquisadas possuem diferentes regras matrimoniais. Os waimiris permitem o casamento entre primos, já os enawenês, apesar de não formularem qualquer tipo de prescrição, proíbem o casamento entre membros de um mesmo clã ou entre parentes muito próximos de clãs distintos.
“Todos os povos fazem regras para a vida matrimonial e sexual. O sistema adotado pelos enawenês, por exemplo, lembra o Código Civil brasileiro, que não permite o casamento entre parentes consanguíneos próximos”, disse à Agência FAPESP.
Empenhado em entender o modo pelo qual esses povos moldam suas relações de parentesco de diferentes formas, o pesquisador desenvolveu, ao lado de João Dal Poz Neto, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o programa de computador MaqPar (acrônimo de “máquina do parentesco”). Poz Neto contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
O mecanismo do programa consiste em encontrar, em redes, os anéis matrimoniais, as relações reais de parentesco entre cônjuges de uma determinada rede, que se multiplicam a cada novo casamento.
Os pesquisadores fizeram uma varredura na rede de parentesco por lotes e organizaram os anéis matrimoniais encontrados, cada um deles acompanhado de um conjunto de parâmetros que permite medir, calcular e classificar os fenômenos manifestados.
Nas duas populações ameríndias estudadas, o casamento de fato só começa após o nascimento da primeira criança, segundo Silva. A coabitação de um casal, com vida sexual ativa e obrigações econômicas recíprocas, pode mudar caso a mulher não dê à luz.
Além do amor e afinidades, uma série de variáveis interfere na formação de laços familiares. Demografia, história, padrão de preferência matrimonial, estratégias familiares e individuais, interesses econômicos e políticos, paixões e gostos pessoais são alguns dos elementos que, ao interagirem entre si, formam as estruturas de parentescos.
“Para se ter ideia da complexidade, a rede waimiri-atroari analisada pela MaqPar contém apenas 245 indivíduos, incluindo crianças. Nessa rede, foram encontrados 33.160 anéis matrimoniais. Quando uma mulher se casa com um homem da mesma tribo indígena, por exemplo, e ela tem uma irmã que se casa com o irmão dele, eles não se casam com parentes, mas sim como parentes”, disse.
“Há diversos tipos de mecanismos de fechamentos de anéis e esse é apenas um deles. Os anéis fazem as múltiplas interconexões entre as pessoas e as famílias, ou seja, fazem uma aliança entre os segmentos familiares, conectando as famílias a cada casamento”, explicou.
Na rede dos enawenê-nawês, com 734 indivíduos, o número de anéis matrimoniais encontrados e analisados pelo programa MaqPar subiu para 81.079.
“Esse sistema de anéis matrimoniais, além de novo, é dinâmico e se desenvolve no tempo, pois a cada casamento uma rede é formada e, quando alguém morre, ela é alterada”, disse o professor da FFLCH-USP.
“O software MaqPar é de uso livre e está à disposição de todos os interessados em testá-lo no endereço http://maqpar.zip.net, com a senha de visitação ‘maqpar’”, disse Silva.
Agência FAPESP