A 12ª edição do Seminário do Projeto de História do Português Paulista termina nesta sexta-feira (15/4) no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O encontro procura avaliar os resultados obtidos pelo projeto apoiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático, concluído no fim de 2010.
Castilho foi professor titular da USP, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, aos 74 anos, é professor colaborador voluntário na Unicamp.
O pesquisador presidiu a Área de Letras e Linguística da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (1987-1990), a Associação Brasileira de Linguística (1983-1985) e a Associação de Linguística e Filologia da América Latina (1999-2005).
Entre seus livros recentes estão Nova Gramática do Português Brasileiro (Contexto, 2010), Gramática do Português Culto Falado no Brasil (Editora da Unicamp, 2008), Descrição, História e Aquisição do Português Brasileiro (Pontes, 2007), Gramática do Português Culto Falado no Brasil (Editora da Unicamp, 2006).
Agência FAPESP – Professor Castilho, como surgiu o Projeto Caipira?
Ataliba Teixeira de Castilho – O projeto de pesquisa teve origem em 1998, durante o primeiro seminário que fizemos sobre o tema. Participaram professores brasileiros especializados em linguística histórica. Pensei em convidá-los para o projeto de modo que eles pudessem transformar aquele projeto estadual em nacional. E deu certo.
Agência FAPESP – E por que fazer esse projeto em São Paulo?
Castilho – Porque a língua portuguesa começou a ser implantada em 1532, em São Vicente, aqui no Estado de São Paulo. Foi o primeiro povoamento, quando os portugueses decidiram explorar de fato o território. Isso não ocorreu quando Pedro Álvares Cabral chegou à Bahia e partiu em seguida para as Índias. Durante 32 anos o território descoberto não foi colonizado ou ocupado. Foi em 1532, em São Vicente, que o Brasil realmente começou.
Agência FAPESP – Então, foi a partir do Estado de São Paulo que ocorreu a penetração da língua portuguesa pelo país?
Castilho – Sim, foi onde tudo começou. Depois de São Vicente vieram Santo André, São Paulo e Santana do Parnaíba. Foi por essas quatro cidades que começou a penetração do português no Brasil – com exceção do então Norte (Grão Pará e Estado do Maranhão), que era praticamente outro país e onde a colonização começou entre os séculos 17 e 18. Devido à proximidade do rio Tietê, o movimento do bandeirismo partiu de Santana do Parnaíba e começou a expansão da língua para o Mato Grosso. De Santana do Parnaíba, os bandeirantes também foram até o Peru, atrás das minas de prata, percorrendo um caminho construído pelos índios Peabirus. Como lá a colonização foi espanhola, o português não se implantou. De São Miguel Paulista, os bandeirantes levaram o português para Minas Gerais, subindo por Itaquaquecetuba e Taubaté, atrás do ouro.
Agência FAPESP – A partir do Estado de São Paulo ocorreu a penetração da língua portuguesa pelo país por esses caminhos?
Castilho – Sim, mas no fim do século 18 surgiu um terceiro caminho: o dos comerciantes que andavam com mulas. Esses tropeiros levaram o português até o Uruguai, que no tempo do império era uma província brasileira, a Cisplatina. Chegaram à Colônia do Sacramento, cidade uruguaia criada por tropeiros de Sorocaba. Tudo isso foi movimento dos paulistas. Quando São Paulo se desenvolveu mais do que todas as outras, tornou-se a maior capitania do Brasil, que inclui o que hoje são estados independentes. O termo capitania foi substituído por província e depois por estado. Então, pode-se ver que ao estudar que língua portuguesa chegou aqui e como ela se desenvolveu e mudou, conhecemos a própria história do português brasileiro.
Agência FAPESP – Uma dimensão que está espelhada no número de pesquisadores reunidos pelo projeto coordenado pelo senhor.
Castilho – Tem que ser assim, é preciso reunir muitos especialistas. Só no Estado de São Paulo somos em 60 pesquisadores, das três universidades públicas e também da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Esse grupo maior também fez uma espécie de bandeirismo (risos). Hoje, o Projeto de História do Português Brasileiro (PHPB) tem cerca de 200 pesquisadores integrados em 11 equipes regionais, cada uma trabalhando com questões locais.
Agência FAPESP – Em todo o Brasil?
Castilho – Não, pois ainda não temos ninguém no Norte. Mas queremos ter colaboradores nessa região.
Agência FAPESP – Poderia dar alguns exemplos de contribuições do projeto para o conhecimento da história do português brasileiro?
Castilho – Esse projeto trata do conhecimento de como o português se implantou e de como ele mudou. A grande pergunta, como diz um colega nosso, é: “Que língua foi aquela que saiu das caravelas?”. Sabemos hoje que foi o português médio, um momento da história do português europeu. E aqueles navegadores que saíram das caravelas quando crianças aprenderam a falar essa modalidade, o português arcaico médio, que vai de 1450 até 1530. Essa é justamente a base do nosso português. Temos um grupo em nosso projeto que estuda como foi esse português médio para poder descrevê-lo. Nesse grupo está minha mulher, Célia Maria Moraes de Castilho, que também é linguista e leu o que se publicou dos inventários e testamentos, do século 16 até 1920, que estão guardados no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Para entender como se deu o espalhamento desse português a partir de São Paulo, outro grupo, coordenado pelo professor Manoel Morivaldo Santiago Almeida, da USP, estudou como foi o deslocamento da língua pelo Tietê, levado pelos bandeirantes. Esse grupo verificou, por exemplo, que no Mato Grosso se guarda até hoje pronúncias do português médio arcaico. Em vez de dizer chão, eles dizem “tchon”. Palavras com “ch” são ditas com “tch”, e “x” é dito “xê”. Então temos “tchapéu” ou “tchuva”. Eles não têm o ditongo nasal “ão”, e sim a vogal nasal “on”, como era no português antigo. Estou falando de fonética, mas há também outras características gramaticais que se conservaram lá.
Agência FAPESP – E isso até na capital, Cuiabá?
Castilho – Sim. E é no meio familiar que você surpreende isso, essas pronúncias todas do português de antes.
Agência FAPESP – Como se desenvolveram aqui em São Paulo o português popular e o português culto?
Castilho – A professora Ângela Cecília Souza Rodrigues, da USP, é a responsável pelo projeto sobre o português não padrão, que é o dos analfabetos e de pessoas que aprendem em casa. O objetivo é documentar e achar nos documentos traços desse português popular.
Agência FAPESP – Ela já obteve resultados?
Castilho – Ela começou de trás para frente, descreveu primeiro o que tem hoje no português popular. Não é só paulista que fala o português popular, pois o estado atraiu gente de todos os lados. A professora Ângela encontrou nos primeiros documentos de traços linguísticos a questão da concordância. Ela observou que muito da concordância que hoje se considera padrão popular era usada pelos portugueses naquele tempo, como em “os menino chegou”, por exemplo. Isso não foi uma criação daqui não, estava lá. Outro grupo de pesquisa estuda a formação do padrão culto, a história do português ensinado nas escolas. As professoras Marilza de Oliveira (USP) e Maria Célia Lima-Hernandes (USP) estudam esse ponto, de como se formou o português culto em São Paulo.
Agência FAPESP – O que elas descobriram?
Castilho – O que se descobriu é que até algum tempo atrás o português culto era idêntico ao português europeu, mesmo aqui em São Paulo. Só se começou a falar o português culto bem tardiamente. No começo era um povão, indistinto, que falava o português popular. Foi preciso surgir escolas para que aparecesse essa outra variedade. Aqui em São Paulo foi muito importante a fundação da Faculdade de Direito, em 1827, que trouxe gente do Brasil inteiro. Na mesma época, começou a haver um interesse maior em ler jornais, escrever e ler poesias, romances. Era o Romantismo. Pois esse grupo de pesquisa analisa esses documentos e observa que reação as pessoas que vinham para cá tinham em relação à língua falada aqui, que era o caipira.
Agência FAPESP – E como se desenvolveu o português culto?
Castilho – Do início do século 19 até a instituição da USP, em 1934, foram criadas várias escolas isoladas, pois não havia a concepção de universidade como existe hoje. No século 19, o português culto era imitação exata do português culto europeu. Em 1922, com o movimento modernista e o crescimento da comunidade de São Paulo, não se considerava mais que o português culto era o português dos portugueses, nós nos descolamos disso. Ainda em 1920, 1930, tínhamos certa sensação de nação colonizada. Quando isso passou é que nos desgarramos do português escrito culto europeu. E aí os modernistas tiveram um papel muito importante, sobretudo Mário de Andrade. Ele criou biblioteca, departamento de cultura, fundou a revista do Arquivo Municipal. Houve uma grande agitação cultural e as pessoas foram assumindo com mais naturalidade a forma como elas escreviam.
Agência FAPESP – Hoje, a característica caipira é muitas vezes encarada de forma depreciativa. Naquela época ocorria a mesma coisa?
Castilho – Caipira não era uma palavra depreciativa, era a designação do português falado pelos paulistas. Depois, com o desenvolvimento da cidade de São Paulo como centro cultural, aí sim ficou muito assemelhado ao português popular, de pessoas sem escolaridade. E como a cidade cresceu demais, esse português foi empurrado para o interior do estado e ali ficou.
Agência FAPESP – Em uma entrevista, o senhor fala sobre o uso da internet pelas crianças e diz que elas passaram a escrever mais, o que seria positivo. Mas, ao mesmo tempo, a rede não incentiva a grafia errada?
Castilho – Sim, as crianças passaram a escrever mais e, sobretudo, não por que o professor manda. Para nós, linguistas, essa questão do escrever errado ocorre quando uma pessoa escreve e a outra não consegue entender. No mais, é uma variedade que você está jogando. O que é escrever errado? É o português não culto? A internet não atrapalha, ela ajuda e resolve um problema de ortografia, no caso de uso de abreviações, como é tudo abreviado. A ortografia é convenção, ela vai atrás da língua com o seu dinamismo. Eu vejo muito o lado positivo. Como linguistas nos perguntamos o tempo todo como é que a mente humana conseguiu criar essa variedade louca de expressões, essa enorme complexidade. Essa é a nossa grande questão.
Agência FAPESP