O projeto vencedor da edição de 2018 é o resultado de 20 anos de pesquisas da médica Jacqueline Mendonça Lopes de Faria, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e poderá mudar radicalmente o tratamento da retinopatia diabética. A doença surge quando o excesso de glicose no sangue provoca danos aos vasos da retina, região do olho responsável pela formação das imagens enviadas ao cérebro.
A retinopatia é tratada com técnicas invasivas, arriscadas e caras, como fotocoagulação a laser, injeção intraocular de medicações ou cirurgias intraoculares. O novo tratamento proposto é um colírio desenvolvido com base em nanotecnologia que libera gradativamente o princípio ativo para a retina. “O colírio age nos neurônios da retina, protegendo-os da toxicidade da glicose”, explica a pesquisadora.
No desenvolvimento do fármaco, Jacqueline Faria contou com a colaboração da engenheira química especialista em nanotecnologia Maria Helena Andrade Santana, do Instituto de Química da Unicamp. Testes em ratos de laboratório indicaram resultados positivos. O colírio tem patente depositada no Brasil e no exterior. A médica considera que ainda é cedo para atrair interesse da indústria. “As empresas querem o produto desenvolvido e já certificado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e FDA [órgão regulador de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos]”, considera.
Até que isso ocorra, ainda há um longo caminho a percorrer, a começar pelos testes em seres humanos. Por isso, Jacqueline Faria está investindo o valor do prêmio – R$ 50 mil – na contratação de profissionais especializados nos trâmites burocráticos necessários à elaboração de um plano de negócios e à obtenção de certificações. A pesquisadora planeja criar uma empresa para dar continuidade ao projeto.
Visibilidade no mercado
Segundo Raphael Bueno, da fundação everis e responsável pela iniciativa no Brasil, o 4º Prêmio Empreenda Saúde recebeu 220 inscrições, de várias partes do país – a fundação everis foi criada pela everis, uma multinacional de consultoria que oferece soluções de estratégia e negócios para indústria e governo.
“Muitas das startups que submeteram seus projetos ao prêmio já foram aceleradas e estão em busca de investimentos e exposição ao mercado-alvo”, avalia o organizador. Um exemplo é a startup paulista TNH Health, uma das seis finalistas da competição, que utiliza chatbots impulsionados com inteligência artificial para transmitir mensagens de texto com orientações a gestantes e a doentes crônicos (como diabéticos e hipertensos), por exemplo. A empresa teve o apoio dos programas de aceleração Artemisia e Quintessa.
Também de São Paulo, a Csanmek classificou-se entre as finalistas com uma plataforma de simulação cirúrgica e dissecação virtual. Batizada de Plataforma Multidisciplinar 3D, ela exibe imagens tridimensionais (obtidas a partir de tomografias e ressonâncias magnéticas) de todos os sistemas do corpo humano. “O equipamento permite ao estudante de medicina, odontologia ou fisioterapia trabalhar com cenários reais”, diz o gestor hospitalar Cláudio Santana, fundador da Csanmek. Segundo ele, o produto já está sendo utilizado em cerca de 70 instituições de ensino do Brasil e em países como Estados Unidos, China, Polônia, Dubai e México.
De Recife, a Salvus classificou-se com um sistema para o monitoramento de oxigenoterapia baseado na aplicação de internet das coisas. O sistema Atas O² monitora o estoque e consumo de oxigênio medicinal, tanto em hospitais quanto em home care. A empresa desenvolveu o dispositivo em parceria com o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.) e fez quatro pedidos de patente.
Dos seis finalistas do 4º Prêmio Empreenda Saúde, além de Jacqueline de Faria, dois são também de grupos acadêmicos que desenvolveram projetos com potencial de comercialização. Esse é o caso do Grupo de Inteligência Artificial na Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante da equipe, o cientista da computação Henrique Dias Pereira dos Santos obteve a terceira colocação no prêmio com um algoritmo de inteligência artificial capaz de detectar prescrições de medicamentos que estejam fora do padrão – o que pode indicar um eventual erro nos procedimentos hospitalares. De acordo com ele, durante testes realizados no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre (RS), o algoritmo foi capaz de identificar 90% dos casos de dosagem inapropriada em 500 mil medicamentos prescritos.
A startup Kit Livre, segunda classificada no prêmio, também foi gestada na universidade. O projeto do kit que, instalado em qualquer cadeira de rodas, a converte em um triciclo motorizado elétrico, nasceu em 2011 na Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá. Em 2014, o engenheiro mecatrônico Júlio Oliveto, autor do projeto, iniciou a comercialização do produto.
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Revista Pesquisa FAPESP