A primeira mutação identificada no gene UBE2A foi descrita pela primeira vez em 2006, no trabalho de doutorado de Rafaella Pessutti Nascimento, com bolsa da FAPESP e, por isso, a síndrome passou a ser chamada de deficiência intelectual tipo Nascimento, em homenagem a ela.
Agora, uma nova mutação no mesmo gene voltou a ser identificada no exame genético de dois irmãos portadores de deficiência intelectual leve e comprometimento de fala, atendidos no serviço de aconselhamento familiar do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (HUG-CELL) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
O trabalho foi feito no âmbito do doutorado de Silvia Souza da Costa, uma das autoras do artigo. “Não sabíamos, entretanto, se se tratava de um problema patogênico”, disse Carla Rosenberg, pesquisadora principal do CEPID, orientadora da tese de Costa e também coautora da publicação.
O estudo continuou em parceira com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do CNPEM, que identificou que a proteína UBE2A do paciente estava com sua função comprometida, comprovando a patogenicidade da mutação.
O gene UBE2A está localizado no cromossomo X e sua mutação causa uma síndrome que apresenta quadro clínico com manifestações variáveis, incluindo deficiência intelectual, que pode variar de grau moderado a grave, comprometimento de fala, convulsões e alterações de face.
Combinando diversas técnicas de análise de última geração, incluindo análise de cristais de proteínas por meio de luz síncrotron, a equipe coordenada por Juliana Oliveira, pesquisadora do LNBio responsável pelo estudo, desvendou como a mutação genética impacta na estrutura da proteína UBE2A e, consequentemente, altera a sua função.
“A proteína UBE2A participa do processo de ‘etiquetagem’ de proteínas defeituosas dentro da célula que, em condições normais, são enviadas para degradação”, disse Oliveira.
Essa marcação é feita por meio da adição da proteína ubiquitina nas proteínas defeituosas, como se fosse uma etiqueta. Na proteína UBE2A mutada foi observado um desequilíbrio em seu ambiente químico, causado pela mutação, com consequências para a atividade dessa proteína. O estudo mostra que a reação química necessária para a transferência da molécula de ubiquitina, durante o processo de etiquetagem de proteínas defeituosas, é prejudicada pela carga elétrica negativa inserida na proteína pela mutação.
Quando esse tipo de perturbação no funcionamento celular acontece em neurônios, é provável que ocorram problemas que afetem o correto desenvolvimento do sistema nervoso durante a embriogênese assim como seu funcionamento, gerando sequelas como a deficiência intelectual.
A pesquisa constatou também que uma interferência no ambiente químico, com aumento do pH, é capaz de fazer a proteína mutada voltar a atuar normalmente.
Próximos passos
O entendimento do mecanismo de funcionamento dessa proteína defeituosa na síndrome tipo Nascimento pode trazer, no futuro, melhorias para a qualidade de vida dos portadores de deficiência intelectual causada por mutações em vias relacionadas, de acordo com Oliveira.
“No momento, estamos gerando a mutação em células-tronco humanas e também em animais para estudar como a presença da proteína mutada interfere nas diferentes fases do desenvolvimento cerebral e seu impacto no comportamento”, explica Oliveira.
A expectativa é que, no segundo semestre de 2019, esses ensaios com células de mamíferos possam ser analisados no Sirius, o novo acelerador de elétrons brasileiro.
Compreender os mecanismos de funcionamento das proteínas relacionadas aos transtornos do neurodesenvolvimento, em especial como as mutações levam ao surgimento deles, pode ser a chave para o desenvolvimento de possíveis novas terapias.
O artigo Mechanistic insights revealed by a UBE2A mutation linked to intellectual disability, de Juliana Oliveira, Paula Favoretti Vital do Prado, Silvia Souza da Costa, Mauricio Luis Sforça, Camila Canateli, Americo Tavares Ranzani, Mariana Maschietto, Paulo Sergio Lopes de Oliveira, Paulo A. Otto, Rachel E. Klevit, Ana Cristina Victorino Krepischi, Carla Rosenberg e Kleber Gomes Franchini, pode ser acessado em www.nature.com/articles/s41589-018-0177-2.
Agência FAPESP * com assessoria de comunicação do CNPEM