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Há 80 milhões de anos, erupções de lava vulcânica geradas pela separação das placas tectônicas da África e da América do Sul – iniciada há 120 milhões de anos – geraram uma ilha como a Islândia. Essa ilha vulcânica, que teria o tamanho do País de Gales, foi habitada por dinossauros e era composta por um cânion, floresta e praia. Há 40 milhões de anos o platô da ilha começou a submergir até chegar à posição em que se encontra hoje, a 3 mil metros de profundidade, no Atlântico Sul, e a 1,5 mil quilômetros a leste da costa brasileira. 
Essa hipótese da história evolutiva dessa porção continental submersa no oceano Atlântico, conhecida como Elevação do Rio Grande, foi reforçada por descobertas feitas por pesquisadores brasileiros e ingleses durante um cruzeiro na região, realizado entre o fim de outubro e o início de novembro.

Realizada com o navio de pesquisa oceanográfica Discovery, da realeza britânica, a expedição fez parte de um projeto apoiado pela FAPESP e integrado por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) e da University of Southampton, na Inglaterra.

O objetivo do projeto é entender os processos que controlam a formação, a distribuição e a preservação de crostas de ferromanganês – depósitos minerais ricos em metais críticos para a indústria eletrônica e para produção de novas tecnologias. Entre eles estão o cobalto, essencial em baterias recarregáveis para os veículos elétricos, e o telúrio, fundamental para a produção de células solares para geração de energia solar de alta eficiência.

“Nosso objetivo é estudar como essas crostas de ferromanganês se formaram dos pontos de vista biológico, geológico, paleoceanográfico e paleoclimático”, disse Luigi Jovane, professor do IO-USP e um dos pesquisadores principais do projeto, à Agência FAPESP.

Cada vez mais escassos na superfície terrestre, alguns desses elementos são altamente concentrados em depósitos no fundo do mar, em nódulos e crostas de ferromanganês. Os maiores níveis de telúrio, por exemplo, são encontrados em crostas de ferromanganês incrustadas em montanhas submersas.

De olho nessas reservas, países como Inglaterra, Rússia, Noruega, França, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul, entre outros, têm se preparado para iniciar a mineração do fundo do mar. A atividade, contudo, deverá ter impactos ambientais e só poderá ser considerada uma opção viável se for sustentável.

“Ao identificar os processos que resultam em depósitos de alta qualidade, pretendemos desenvolver um modelo preditivo para sua ocorrência e estudar alternativas para minimizar os impactos ambientais da exploração mineral”, disse Jovane.

A fim de compreender melhor os processos que controlam a formação e composição desses depósitos minerais oceânicos, os pesquisadores realizaram três cruzeiros em pequenas bacias de águas profundas na costa do norte da África e do Brasil.

O primeiro cruzeiro foi realizado em outubro de 2016 em planícies abissais ao longo da Ilha da Madeira, no Atlântico Norte, com o navio de pesquisa oceanográfico inglês RRS James Cook. Já o segundo cruzeiro ocorreu em fevereiro de 2018, na Elevação do Rio Grande, com o navio oceanográfico Alpha Crucis, adquirido pela FAPESP para o IO-USP em 2012.

O terceiro cruzeiro, na mesma região e feito com o navio Discovery, partiu do Porto de Santos em 20 de outubro, com uma equipe de 10 pesquisadores brasileiros e 10 ingleses, retornando 18 dias depois, no dia 8 de novembro.

“Nesse terceiro cruzeiro, voltamos para áreas que tínhamos estudado no segundo cruzeiro, em fevereiro, que não são abrangidas pelo programa de estudos de crostas cobaltíferas na Elevação do Rio Grande do Serviço Geológico do Brasil [CPRM]”, disse Jovane.

Em 2014, o Brasil obteve da Autoridade Internacional do Leito Marinho (ISA, na sigla em inglês) – organismo ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por regular atividades que envolvam o fundo dos oceanos em águas internacionais – o direito de estudar o potencial mineral de 150 lotes na Elevação do Rio Grande nos próximos 15 anos e apresentar os resultados para a ISA.

“Tentamos não sobrepor nossas áreas de estudo às do CPRM [Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais] e entender os processos que atuaram na Elevação do Rio Grande que fizeram com que apresente as morfologias que observamos”, disse Jovane.

Veículos autônomos e robóticos

Para mapear o leito oceânico da Elevação do Rio Grande, os pesquisadores usaram sonares, que permitiram mapear o fundo do mar com resolução suficiente para visualizar rochas com algumas dezenas de centímetros de diâmetro.

Com base nos mapas gerados pelas ondas sonoras de alta frequência foram definidos cinco locais de maior interesse para um veículo autônomo submarino, o Autosub6000, registrar imagens em preto e branco.

Uma vez mapeada a área com os sonares e o Autosub6000, foi enviado um veículo submarino robótico operado remotamente, o HyBIS. Este veículo fica ligado ao navio e tem câmeras e refletores para registrar imagens em vídeo do leito do mar, além de um braço mecânico articulável para coletar amostras.

Por meio dessas tecnologias foi possível visualizar na área central da Elevação um planalto raso com 800 metros de profundidade, dividido por uma fenda profunda, com 1.400 metros de profundidade, que separa a porção continental em duas partes.

Chamada de Grande Fenda, a fissura tem 24 quilômetros de largura e vales profundos com encostas verticais – como um cânion – com até 600 metros de altura, feitos de rochas basálticas.

Nas rochas basálticas da parede do cânion foi possível observar grandes áreas de crostas finas de ferromanganês bastante erodidas. “Constatamos que em muitas regiões da Elevação as crostas e os subsolos onde se formaram estão erodindo. Mas não sabemos ainda por que isso ocorre”, disse Jovane.

Já a quase 1 quilômetro de distância da borda da Grande Fenda, os pesquisadores encontraram um número expressivo de pedaços de crosta de ferromanganês negro sobre arenito calcário – o que pode ser a evidência de que a área foi uma praia.

As bordas do planalto da Grande Fenda, por sua vez, são compostas por campos de pedregulho de basalto. Esse tipo de rocha só pode ser formado em áreas onde há energia muito alta, como leitos de rios que correm rapidamente ou na costa do mar, onde ondas podem colidir com os penhascos, desalojar pedações de rocha e rolá-los ao redor até formarem pedras lisas e redondas.

“Isso é uma evidência de que a Elevação do Rio Grande submergiu. A lava vulcânica das erupções geradas pela separação das placas tectônicas da África e da América do Sul transformou-se em falésias e as ondas quebraram e rasgaram os penhascos da Grande Fenda”, estimou Bramley Murton, professor da University of Southampton e cientista-chefe da expedição.

Os pesquisadores também observaram no fundo das encostas, abaixo da lava basáltica, um leito de argila vermelha. Uma das hipóteses é a de que esse depósito de argila fundiu-se no topo de um segundo fluxo de lava, abaixo do primeiro.

Os geólogos reconhecem esse tipo de lama como o topo de um fluxo de lava que foi desgastado por condições subtropicais e úmidas, oxidando a lava e transformando seu conteúdo de ferro em vermelho e transformando a rocha em minerais de argila. “É o que chamamos de paleossolo”, disse Jovane.

Uma das hipóteses é a de que, quando as erupções de lavas vulcânicas deram origem à Elevação do Rio Grande, o sol e a chuva corroeram o topo dela e a transformaram em solo. Milhares de anos depois, os vulcões irromperam novamente e enterraram a paisagem em outro fluxo de lava incandescente e tudo foi incinerado.

Enquanto esfriava, a lava se contraiu formando a Grande Fenda vista hoje. Esse processo foi, provavelmente, seguido por ciclos adicionais de intemperismo, formação do solo, crescimento de plantas, pastoreio de animais, erupções de lava e incineração, estimou Murton.

“Encontrar evidências de que a Elevação do Rio Grande, que está situada em águas profundas, um dia esteve em terra firme foi algo totalmente inesperado”, avaliou o pesquisador.

Agência FAPESP