A vacina desenvolvida pelo Butantan, com apoio da FAPESP, está na última fase de testes em humanos, com a participação de 17 mil voluntários. Já a vacina da MSD está na primeira fase de ensaios clínicos, em que é avaliada em um pequeno grupo de pessoas.
Por isso, na primeira etapa do acordo o Instituto Butantan receberá um pagamento antecipado de US$ 26 milhões da MSD e poderá receber mais US$ 75 milhões à medida que a farmacêutica americana atingir marcos no desenvolvimento e comercialização de sua vacina experimental.
“Esse é um fato inédito na vida das instituições de pesquisa brasileiras e representa a vitória de uma maneira de pensar a interação entre os setores públicos e privados que certamente trará muitos benefícios no futuro”, disse Marco Antonio Zago, secretário de saúde do Estado de São Paulo e presidente da FAPESP, na cerimônia de assinatura do acordo.
“É uma satisfação ver que um projeto que foi iniciado a partir de estudos financiados pela FAPESP ao longo de quase 20 anos esteja agora se transformando em um produto que dentro de alguns anos poderá entrar no mercado mundial”, disse.
Por meio do acordo, o Butantan disponibilizará para a MSD o acesso às informações sobre os ensaios clínicos em curso até que ambos os parceiros cheguem a um nivelamento. Desse ponto em diante, a colaboração se dará livremente, ainda que cada um dos parceiros venha produzir sua própria vacina.
O acordo também prevê o licenciamento exclusivo de patentes relacionadas à vacina contra a dengue desenvolvida pelo Butantan para a MSD, ainda que a empresa não venha a utilizá-las parcial ou integralmente. Se durante o desenvolvimento de sua própria vacina a MSD obtiver patentes sobre sua tecnologia, o Butantan terá acesso gratuito a elas. A MSD não poderá comercializar no Brasil a vacina que vier a desenvolver e pagará ao Butantan royalties sobre as vendas dela no exterior.
“O acordo mostra que o Butantan atingiu um nível de excelência internacional no desenvolvimento de vacinas de interesse global. Com novos aportes financeiros, poderemos investir ainda mais em produção de vacinas e em pesquisa”, disse Dimas Tadeu Covas, diretor do Instituto Butantan.
As vacinas em desenvolvimento pelo Butantan e pela MSD são baseadas em cepas dos quatro sorotipos do vírus da dengue modificadas por pesquisadores de centros de pesquisa do NIH. Essas cepas virais atenuadas diferem dos vírus o suficiente para não provocar a doença e são capazes de desencadear não somente a proteção por meio de anticorpos como também estimular células específicas do sistema imunológico que guardam a memória da infecção pela dengue.
Uma formulação inicial líquida e congelada dessas cepas – ainda não uma vacina apta a chegar ao mercado – foi testada experimentalmente pelo NIH em animais e humanos e apresentou bons resultados.
Em 2009, o Butantan licenciou o uso dessas cepas virais atenuadas para desenvolver uma vacina para ser distribuída apenas no Brasil. E em 2014, a MSD licenciou o uso dessas cepas para desenvolver uma vacina para ser comercializada nos Estados Unidos, Canadá, China, Japão e União Europeia, entre outros países, à exceção do Brasil.
“O acordo permitirá ao Butantan também acelerar os estudos clínicos de sua vacina contra dengue e introduzir parte de seu know how na vacina que a MSD comercializará no exterior, recebendo royalties sobre as vendas”, disse Fábio de Carvalho Groff, gestor do Núcleo de Inovação Tecnológica do Instituto Butantan, à Agência FAPESP.
“É uma relação de ganha-ganha em que, com base no know how e nos dados dos ensaios clínicos da vacina contra dengue do Butantan, a MSD poderá acelerar seu programa de desenvolvimento e o instituto será compensado financeiramente por isso”, disse Groff.
Patente e eficácia
Ao longo dos últimos anos, o Butantan desenvolveu uma vacina com os quatro vírus da dengue e liofilizada (em pó), que é diluída antes de ser administrada e pode ser conservada em refrigeradores. Em setembro de 2015, o instituto depositou no Escritório Norte-Americano de Patentes e Marcas (USPTO) o pedido de patente sobre o processo que desenvolveu a partir das cepas do NIH e a obteve em junho deste ano.
Como os vírus que usaram para o desenvolvimento da vacina eram os mesmos usados por colegas do NIH nos Estados Unidos, os pesquisadores do Butantan foram autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a começar o estudo clínico pela fase 2, em que é preciso demonstrar que a vacina é segura e capaz de desencadear uma resposta imunológica.
“Tivemos um avanço mais rápido no desenvolvimento da vacina justamente pelo fato de termos começado pela fase 2”, disse Alexander Precioso, diretor da divisão de ensaios clínicos e farmacovigilância do Instituto Butantan.
Concluída a fase 2, a instituição entrou imediatamente com um pedido de aprovação de estudo de fase 3 na Anvisa em 2013 – autorizado em 2015 –, em que é preciso demonstrar que a vacina é tetravalente, ou seja, é capaz de conferir proteção à infecção por qualquer um dos quatro diferentes tipos do vírus da dengue.
Comprovada a eficácia, a instituição poderá pedir o registro da vacina na Anvisa para que possa ser disponibilizada gratuitamente no programa nacional de vacinação.
“Até o momento, todos os dados coletados tanto na fase 2 como na 3 têm confirmado a segurança da vacina, que tem causado pouquíssimas reações adversas, semelhantes às de outras vacinas”, disse Precioso. “Os resultados preliminares também têm mostrado que, com apenas uma dose, a vacina é capaz de estimular o sistema imunológico dos vacinados de forma que seja possível protegê-los contra os quatro tipos da dengue.”
Os pesquisadores, contudo, têm enfrentado contratempos na realização dessa terceira e última fase do estudo clínico da vacina, que começou em 2016 e está sendo feito em 14 centros de pesquisa clínica, distribuídos em cinco regiões do país.
Nos últimos anos, o número de casos de dengue caiu no Brasil e a circulação de vírus está muito baixa – o que tem atrasado a finalização dos ensaios clínicos. E ainda estão sendo recrutados participantes de 2 a 6 anos para participar do estudo – a faixa etária mais difícil de ser recrutada.
“A dificuldade de recrutamento nessa faixa etária se deve ao fato de que é preciso a autorização dos pais para participação dessas crianças como voluntárias, e sempre há uma preocupação deles em autorizar”, disse Precioso.
“Mas já temos um grande número de crianças nessa faixa etária vacinada e acreditamos que em alguns meses devemos conseguir obter um número mínimo de voluntários”, estimou.
Dos 17 mil voluntários previstos para participar do estudo, divididos em três faixas etárias – de 2 a 6 anos, de 7 a 17 anos e de 18 a 59 anos –, 15,5 mil já foram recrutados.
Uma vez que esses grupos deverão ser acompanhados por cinco anos para comprovar a eficácia da vacina quando infectados pelos vírus da dengue, a estimativa para conclusão do desenvolvimento da vacina pode variar de seis a 15 anos.
“O tempo clássico para o desenvolvimento de uma vacina é habitualmente de seis a 15 anos, sendo muito mais próximo dos 15 anos. Entre 12 e 15 anos é o período considerado mais recorrente para o desenvolvimento de novas vacinas”, disse Precioso.
Além das vacinas contra a dengue que estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Butantan e pela MSD há candidatas como a Dengvaxia da Sanofi e a da indústria farmacêutica Takeda, entre outras.
Algumas diferenças da vacina desenvolvida pelo Butantan e as dessas candidatas são que a sua eficácia é obtida com uma dose única – enquanto as outras dependem de duas ou até três doses –, é tetravalente e poderá ser administrada em uma ampla faixa etária, enquanto há candidatas que só abrangem faixas etárias específicas.
“O trabalho que os pesquisadores do Butantan têm feito até aqui [de desenvolvimento da vacina contra dengue] é incrível, de excelência científica”, disse Mike Nally, presidente global de vacinas da MSD.
Agência FAPESP