“Existe a necessidade de um entendimento interdisciplinar e internacional dessa questão. Podemos sentir que há um descompasso em quase todo o mundo, com impactos na saúde, produtividade das pessoas, economia e também nas escolas. O jetlag social está relacionado com insônia e outros fenômenos que incluem o abuso de estimulantes e depressão, por exemplo”, disse Shafer em palestra na FAPESP Week New York, realizada de 26 a 28 de novembro de 2018.
O laboratório de Shafer no Advanced Science Research Center da CUNY se concentra em entender como as redes neurais formam o ritmo circadiano – mecanismos bioquímicos que permitem que os seres vivos organizem seu sono e acordem durante o ciclo de 24 horas de um dia.
Shafer, porém, está particularmente interessado em compreender como as redes neurais do relógio interno operam quando são desafiadas por luzes artificiais, falta de luz solar e escuridão.
Os estudos sobre relógio interno costumam ser realizados em mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster), modelo animal que apresenta semelhanças com os humanos para o estudo referente aos genes e neurônios que controlam o relógio interno.
“Temos 20 mil neurônios em cada hemisfério do cérebro. A drosófila oferece um ótimo modelo com mil neurônios, sendo que apenas 70 contêm o relógio molecular. Os genes descobertos na mosca-das-frutas são similares aos descobertos em humanos e as mutações nessas regiões cerebrais correspondentes causam alterações do sono em humanos”, disse.
A descoberta dos mecanismos que controlam o ciclo circadiano rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia em 2017 aos norte-americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young. A partir de estudos realizados em mosca-das-frutas, eles elucidaram como plantas, animais e humanos adaptam seu ritmo biológico para que seja sincronizado com o ciclo da Terra.
“Em cada tecido do corpo e em pequenas ilhas do cérebro esses relógios moleculares funcionam o tempo inteiro e regulam o sono. A interação dos neurônios que contêm relógios cria um sentido endógeno do tempo e regula como os neurorreceptores ligam e desligam esse relógio ao longo do tempo”, disse.
A equipe de Shafer desenvolveu técnicas para manipular esses genes, acelerando e atrasando o relógio de mosca-das-frutas. Como resultado, eles conseguiram manipular os padrões de sono das moscas.
“Agora, temos ferramentas para entender como esses neurônios se conectam e como tudo procede. Isso fez com que, nos últimos anos, aprendêssemos bastante sobre como essa rede cria o sistema endógeno de tempo e caminhos fisiológicos que ligam esse sistema ao tempo ambiental, particularmente aos ciclos de luz e escuridão”, disse.
Paralelamente às descobertas genéticas, foram feitos estudos em vários centros de pesquisa sobre as características do padrão de sono da população. Dentre os resultados, descobriu-se que o cronótipo – que leva algumas pessoas a serem mais ativas durante o dia, e outras, à noite – tem distribuição replicável em grandes amostras em diferentes culturas.
“Na média, a jornada de trabalho começa às 7h55, nos Estados Unidos. Nas escolas, a média é 7h59. No entanto, nos dias de folga, as pessoas em média vão dormir 0h30 e levantam às 8h30. Pessoas com o cronótipo de dormir mais tarde tendem a sofrer uma espécie de jetlag e suas consequências comportamentais”, disse.
Shafer explica que o cronótipo é hereditário, mas tem também influência ambiental. Tem sido mostrado que, por causa de novos hábitos de uso de luz artificial, pode ocorrer um aumento na população de pessoas notívagas.
“Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo mostrou que entre a capital paulista e Londres há uma grande sobreposição de cronótipos. Isso mostra como os relógios internos são desafiados pelos ambientes modernos com muita luz artificial e pouca escuridão. É um problema que está piorando e acredito que ao longo dos anos teremos cada vez mais cronótipos tardios”, disse. O estudo teve apoio da FAPESP.
Nesse cenário, Shafer estima serem necessários mais estudos e colaborações internacionais, como o mencionado estudo feito na USP, que contou com colaboradores da University of Surrey, no Reino Unido.
“Há impacto na qualidade de vida das pessoas. Normalmente, elas são consideradas dorminhocas ou preguiçosas, mas é como se mudassem de fuso horário toda semana”, disse.
Agência FAPESP