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O Sistema Solar é muito mais vasto e complexo do que usualmente se supõe. Estima-se que o predomínio do campo gravitacional do Sol sobre os campos gravitacionais das estrelas próximas se estenda por cerca de dois anos-luz (125 mil unidades astronômicas). Isso significa que a luz emitida pelo Sol leva aproximadamente dois anos para alcançar os confins do Sistema Solar. Nesse enorme nicho gravitacional, aninham-se e orbitam milhões de objetos: planetas, luas, cometas, asteroides, meteoroides etc. No conjunto, um objeto se diferencia de todos os demais, constituindo, por assim dizer, o “estranho no ninho”.
Trata-se do asteroide (514107) 2015 BZ509,

Sua peculiaridade é ter trajetória retrógrada – isto é, orbitar o Sol em sentido contrário ao dos demais corpos. O sentido retrógrado do movimento combinado com a estabilidade da órbita pela idade do Sistema Solar legitimam a interpretação de que o (514107) 2015 BZ509 seja um objeto de origem extrassolar, capturado pelo campo gravitacional de Júpiter no final da época de formação dos planetas. Um estudo baseado em robusta simulação computacional corroborou agora essa hipótese. Artigo a respeito foi publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: Letters.

Maria Helena Moreira Morais, professora do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, e coautora do artigo com Fathi Namouni do Observatoire de la Côte d’Azur (França), teve sua participação no estudo apoiada pela FAPESP por meio do projeto “Tópicos de dinâmica orbital e métodos de aprendizagem de máquinas para análise de dados de sistemas planetários”.

“Nós já havíamos construído uma teoria que explica o movimento desse asteroide. E, em 2017, publicamos um artigo a respeito na revista Nature (leia mais em http://agencia.fapesp.br/25166/).

“Para tentar compreender a origem do objeto, fizemos depois simulações em larga escala, que resultaram no novo artigo que saiu agora na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: Letters”, disse Morais à Agência FAPESP.

A necessidade da simulação em larga escala se deve a dois fatores: primeiro, à margem de erro nas observações astronômicas relativas às órbitas dos corpos celestes; segundo, ao fato de que a interação gravitacional com os planetas do Sistema Solar introduz nos movimentos um componente caótico, de forma que uma diferença muito pequena nas condições iniciais pode resultar em diferenças enormes ao cabo de bilhões de anos.

“Para superar esses problemas, tivemos que fazer um estudo estatístico muito pesado, simulando um milhão de órbitas. Estudos nessa escala nunca haviam sido feito antes. Geralmente, as simulações consideram, no máximo, mil possibilidades”, disse a pesquisadora.

As simulações incluíram o efeito gravitacional dos planetas e também o efeito gravitacional da Galáxia, porque, para objetos afastados do Sol, esse componente se torna relevante. E permitiram retraçar a trajetória de (514107) 2015 BZ509 há 4,5 bilhões – época correspondente ao final da fase de formação dos planetas. Verificou-se que sua órbita permaneceu estável desde então, dentro dos limites da margem de erro.

Isso permitiu diferenciar claramente o (514107) 2015 BZ509 de outros asteroides em órbitas retrógradas, pertencentes ao grupo dos Centauros. Estes são asteroides comuns que foram arremessados para os confins do Sistema Solar, para a região denominada Nuvem de Oort, devido à instabilidade gravitacional provocada pelo rápido crescimento dos planetas gigantes.

As trajetórias desses Centauros tinham inicialmente o mesmo sentido das trajetórias dos demais corpos do Sistema Solar. Mas, devido à extrema distância em relação ao Sol, passaram a sofrer relevante influência gravitacional da Galáxia, que alterou seu movimento, fazendo com que alguns deles se tornassem retrógrados. Esse processo demorou cerca de 1 bilhão de anos. Depois, alguns Centauros foram puxados de volta para a região de influência dos planetas gigantes.

O estudo estatístico mostrou que nada disso ocorreu com o (514107) 2015 BZ509. Ele ocupa estavelmente a faixa correspondente à órbita de Júpiter há pelo menos 4,5 bilhões de anos. É um coorbital retrógrado de Júpiter.

“A conclusão que se impõe é que esse asteroide não se originou no Sistema Solar. Ele deve ter-se desgarrado do sistema de uma estrela vizinha e sido capturado pelo poderoso campo gravitacional de Júpiter. É o sincronismo com Júpiter que confere estabilidade à sua órbita”, disse Morais.

Oumuamua, um asteroide extrassolar

A migração de objetos de um sistema para outro não é impossível. O Sol formou-se em conjunto com outras estrelas num berçário estelar e assim a densidade de estrelas nas vizinhanças do Sol no passado era maior do que hoje. As estrelas vizinhas afastaram-se posteriormente. Estudos recentes mostram que a própria nuvem de Oort pode ser constituída em parte por objetos capturados de outras estrelas na infância do Sistema Solar.

“No fim de 2017, nosso sistema foi visitado por outro asteroide extrassolar, o Oumuamua [cujo nome significa “mensageiro de longe que chega primeiro” em havaiano]. Mas veio com tanta velocidade que a atração do Sol provocou em sua trajetória apenas um pequeno encurvamento, tornando-a hiperbólica. Precisaria ter vindo com menos velocidade para que a trajetória se tornasse elíptica e fosse assim capturado pelo Sistema Solar”, disse Morais.

O estudo do (514107) 2015 BZ509 não se encerrou. De fato, está apenas começando. Esse objeto é testemunha da infância do Sistema Solar. E poderá fornecer informações preciosas sobre o ambiente existente nas cercanias do Sol quando o Sistema se formou.

“Talvez possamos avançar ainda mais, se conseguirmos determinar sua composição química. Dado que os sistemas estelares têm composições químicas distintas, asteroides imigrantes, como o (514107) 2015 BZ509, podem ter enriquecido o Sistema Solar com elementos que não existiam aqui originalmente. E, assim, possivelmente contribuído para o surgimento da vida na Terra”, disse Morais.

O artigo An interstellar origin for Jupiter’s retrograde co-orbital asteroid (doi:10.1093/mnrasl/sly057), de F. Namouni e M. H. M. Morais, está disponível em https://academic.oup.com/mnrasl/article-abstract/477/1/L117/4996014?redirectedFrom=fulltext.

Agência FAPESP