“Fiquei extremamente feliz com a possibilidade de uma molécula descoberta durante o meu doutorado tirar uma espécie do risco de extinção. Sabíamos, lá nos idos de 2000, quando apresentei o trabalho, que a gomesina era uma molécula poderosa, com alto poder bactericida, antifúngico e antiviral. Porém, nunca podia imaginar que ela teria o potencial de evitar o desaparecimento de uma espécie”, disse Pedro Ismael da Silva Jr., do Centro de Toxinas, Resposta-imune e Sinalização Celular (CeTICS) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
A descoberta da gomesina não foi casual. Durante o doutorado realizado no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e defendido em 2000, Silva buscou moléculas bioativas no sangue das aranhas.
“Animais peçonhentos são tradicionalmente uma fonte de novas moléculas para o desenvolvimento de medicamentos. O interesse por aracnídeos costuma ser grande, principalmente pelo fato de serem animais muito antigos, estão na Terra há 450 milhões de anos, e terem mudado pouco. Fora isso, eles vivem em ambientes contaminados e devem ter um modelo que os defenda contra isso”, disse Silva à Agência FAPESP.
Entre as moléculas descobertas por Silva estava a gomesina, proteína encontrada no sangue da aranha-caranguejeira Acanthoscurria gomesiana. “Nestes últimos anos, nosso laboratório encontrou cerca de 30 moléculas promissoras como a gomesina, que estão sendo avaliadas.”
Silva explica que o que torna a gomesina interessante para o tratamento de câncer é sua atuação no desenvolvimento celular. “Ela atua no ciclo celular, modificando e dificultando o desenvolvimento dessas células tumorais que normalmente se propagam rapidamente. Ou seja, isso poderia ser usado para qualquer tipo de câncer”, disse.
No caso de bactérias e fungos, a gomesina tem atuação na membrana celular. “Geralmente a membrana desses microrganismos é carregada negativamente e a gomesina é um peptídeo catiônico, carregado positivamente. Por ação eletrostática, eles são atraídos para a superfície do organismo e acabam se inserindo na sua membrana, provocando o aparecimento de poros, ou removendo pedaços. Com essa ação, os organismos perdem a ligação com o exterior e acabam morrendo”, disse.
Pesquisadores australianos, em trabalho independente do realizado na USP, também estão estudando a gomesina. Em artigo publicado no periódico científico Cell Death Discovery , do grupo Nature, a equipe de pesquisadores australianos afirma que tanto o peptídeo gomesina (AgGom) encontrado em aranhas e o homólogo de tipo gomesina (HiGom) têm atividade tóxica e antiproliferação para as células do tumor facial do diabo-da-tasmânia.
Os pesquisadores australianos encontraram o peptídeo em outra espécie de aranha na Austrália, a Hadronyche infensa, e também sintetizaram a substância. O estudo testou, pela primeira vez, as propriedades antiproliferação da gomesina in vitro e de seu análogo sintético com possíveis candidatos para o tratamento do tumor facial do diabo-da-tasmânia.
A comprovação de que a gomesina previne a proliferação de células para o tumor facial do diabo-da-tasmânia é um ótimo indicativo para a perpetuação da espécie, que atualmente, de acordo com a Lista vermelha, é vulnerável.
Desde 1996, quando a doença emergiu, estima-se que 80% da população de diabo-da-tasmânia tenha sido morta. Os tumores primários aparecem na face ou dentro da boca do animal e se desenvolvem em grandes tumores globulares que evoluem para metástase rapidamente. A doença é altamente contagiosa, pois ocorre a transferência de células vivas de câncer entre os animais, por meio de mordidas. Estima-se que o animal chegue a óbito de três a seis meses após o aparecimento dos primeiros sintomas.
Um modelo de projeção da doença estima que, sem intervenção, o diabo-da-tasmânia pode ser extinto em 15 ou 25 anos, já que até agora não existe um tratamento para bloquear o avanço da doença.
Silva diz que, na época da descoberta da gomesina, a substância foi patenteada, porém projetos de parceria com empresas da indústria farmacêutica para a criação de um produto não foram adiante. “As empresas não tinham interesse em investir em testes clínicos, uma parte muito cara da pesquisa e essencial para o desenvolvimento de medicamentos”, disse.
Agência FAPESP