Estudar as supernovas é, de certa maneira, perscrutar o próprio berço onde foi gerado o substrato material da humanidade. E também projetar o olhar para um passado muito remoto na estruturação do Universo.
Uma apresentação sobre as aquisições mais recentes no estudo das supernovas foi feita pelo físico e astrônomo José Groh durante o “Workshop on Research Collaboration FAPESP-Trinity”, realizado na sede da FAPESP. Ex-bolsista da FAPESP, José Groh é atualmente professor de astrofísica no Trinity College Dublin, da República da Irlanda.
O workshop de que participou, focado nas áreas de física e astronomia, reuniu pesquisadores de instituições do Estado de São Paulo e do Trinity College Dublin [https://www.tcd.ie/]. Nesta entrevista à Agência FAPESP, Groh fala dos novos modelos de supernovas nos quais está trabalhando, que contradizem, em parte, os modelos anteriores.
Leia a seguir a entrevista de Groh à Agência FAPESP:
Agência FAPESP – Qual é o foco de sua pesquisa?
José Groh – Minha pesquisa trata basicamente da evolução das estrelas que explodem como supernovas, de como elas chegam nesse estágio evolutivo e de quais são suas propriedades antes e depois da explosão.
Agência FAPESP – Você trabalha com observação ou modelagem?
José Groh – Com as duas coisas. Tenho colegas que fazem observações, cujos dados eu utilizo e busco interpretar. E, do meu lado, elaboro modelos teóricos que fazem predições e orientam esses colegas sobre quais eventos observar, em que momento e com qual telescópio.
Agência FAPESP – Qual é, até o momento, o principal resultado de seu estudo?
José Groh – Uma conclusão importante foi que as estrelas que explodem são, em geral, bastante evoluídas. Segundo os modelos teóricos anteriores, essas estrelas, chamadas de “variáveis luminosas azuis”, não deveriam explodir. Mas nossos modelos mostraram que elas são, na verdade, as principais candidatas.
Agência FAPESP – Que tipos de estrelas seriam candidatas a explosão de acordo com os modelos anteriores?
José Groh – Estrelas mais frias e menos luminosas, chamadas de supergigantes vermelhas. Ou estrelas muito mais quentes conhecidas como estrelas Wolf-Rayet. As variáveis luminosas azuis ficam no meio-termo.
Agência FAPESP – A classe das variáveis luminosas azuis corresponde a todos os eventos de supernovas já observados? Ou apenas a observações que estão sendo feitas especificamente agora?
José Groh – Cobre uma parte dos eventos que estão sendo observados agora. Outros eventos possuem outros tipos de estrelas como progenitoras. Enquanto parte deles é explicada por modelos anteriores, outra fração tem sua origem investigada por diversos grupos ao redor do mundo, incluindo meus alunos de doutorado.
Agência FAPESP – Onde se localizam essas supernovas observadas atualmente?
José Groh – Praticamente todas elas em galáxias externas, a uma distância típica de aproximadamente 20 milhões de anos-luz da Terra. São acontecimentos muito raros. Para podermos observá-los, precisamos olhar longe, porque assim somos capazes de abarcar regiões maiores e ter acesso a quantidades também maiores de eventos possíveis. A última supernova que ocorreu relativamente próxima foi a de 1987, na Grande Nuvem de Magalhães.
Agência FAPESP – A detecção na própria Via Láctea não é viável?
José Groh – É viável. Porém a taxa de ocorrência desses eventos é muito baixa. A probabilidade de explosão é de uma a cada 100 anos. E, nos últimos 400 anos, não houve nenhuma. Temos toda a tecnologia para observar uma eventual explosão na Via Láctea, mas faz quatro séculos que isso não ocorre.
Agência FAPESP – As candidatas a supernovas da Via Láctea são monitoradas? Em sua palestra, você mencionou especificamente Betelgeuse.
José Groh – Sim, elas são constantemente monitoradas. Betelgeuse é uma candidata clássica. Outra candidata é Eta Carinae, que, inclusive, tem sido objeto de bastante pesquisa apoiada pela FAPESP. É o caso da pesquisa feita por Augusto Damineli Neto [http://www.bv.fapesp.br/pt/pesquisador/915/augusto-damineli-neto/], que descobriu que Eta Carinae é, na verdade, uma estrela binária. Há predições de que o fato de uma estrela ser binária pode acelerar sua evolução e levar a uma eventual explosão.
Agência FAPESP – Como são as variáveis luminosas azuis em termos de metalicidade?
José Groh – Elas existem em uma larga faixa de metalicidade, desde subsolar até duas vezes a metalicidade do Sol. As que detectamos, até o momento, como progenitores de supernova são, em geral, pobres em metais. Têm menos metais do que o Sol. E este é um fator definitivo para que explodam como supernovas. Porque a baixa porcentagem de metais faz com que ejetem menos massa em função do tempo. E, como ejetam menos massa, chegam ao estágio de explosão com massas muito grandes. Quando explodem tornam-se, em alguns casos, 10 vezes mais brilhantes do que a média das supernovas, constituindo as estrelas chamadas em inglês de superluminal supernovas (supernovas superluminosas).
Agência FAPESP – A propósito, você poderia informar alguns parâmetros quantitativos das variáveis luminosas azuis?
José Groh – Sim. Suas massas são, em geral, de 50 a 200 vezes maiores do que massa do Sol. E elas são muito mais quentes. A temperatura da camada externa do Sol, que chamamos de fotosfera, é da ordem de 6 mil kelvins. A dessas estrelas alcança patamares de 20 mil a 30 mil kelvins. A temperatura central também é muito maior, pelo menos cinco vezes mais alta do que a do Sol, que é da ordem de alguns milhões de kelvins.
Agência FAPESP – E quanto à composição química?
José Groh – Isso é interessante. A composição química é bem diferente daquela do Sol. No Sol, temos cerca de 70% de hidrogênio, 28% de hélio e 2% de outros elementos, mais pesados. Nessas estrelas, a porcentagem de hidrogênio é, em geral, muito menor, da ordem de 40%.
Agência FAPESP – Isso se deve ao fato de a fusão nuclear ser muito rápida?
SJosé Groh – Sim, a queima do hidrogênio é muito rápida. Além disso, há uma forte movimentação do material. O hidrogênio da superfície é puxado para o centro e transformado em hélio. Então, essas estrelas apresentam um percentual de hélio bem maior, da ordem de 60%.
Agência FAPESP – A estimativa de vida de uma estrela dessas é, então, muito curta, não?
José Groh – Muito curta. Entre quatro milhões e 10 milhões de anos, enquanto que a estimativa de vida do Sol é de 10 bilhões de anos – mil vezes maior.
Agência FAPESP – Em sua palestra, você disse que a ejeção de massa dessas estrelas no momento da explosão nem sempre constitui aquele fenômeno espetacular que costumamos imaginar. Às vezes, chega a ser, até, decepcionante, vamos dizer assim?
José Groh – É verdade. Pelo fato de a massa ser tão grande, a ejeção torna-se muito difícil. É preciso uma enorme quantidade de energia para vencer a atração gravitacional. Mas, também ocorrem casos em que, apesar de a ejeção de massa ser relativamente pequena, as camadas ejetadas se chocam umas com as outras. Isso faz com que a energia cinética do material ejetado seja transformada em radiação, produzindo fenômenos altamente brilhantes. Então, esses eventos ocorrem em uma faixa muito larga de energias, desde energias relativamente baixas até energias muito acima da média.
Agência FAPESP – Uma ejeção fraca seria suficiente para o colapso gravitacional da estrela?
José Groh – Esta é exatamente uma das questões que estamos pesquisando agora. Uma de minhas alunas de doutorado está trabalhando no momento sobre esse tema. Temos um conjunto de eventos, envolvendo mais ou menos 10 objetos, sobre os quais ainda não conseguimos dizer se houve ou não explosão. Detectamos ejeções fracas, com curvas de luz características de supernovas, mas sem as linhas espectrais de elementos que nos permitam afirmar com certeza que a estrela explodiu. Porque há elementos que são produzidos apenas durante a explosão.
Agência FAPESP – Os elementos mais pesados?
José Groh – Sim, os elementos radiativos.
Agência FAPESP – Os elementos radiativos são produzidos apenas durante a explosão e não pelo processo de fusão no núcleo da estrela?
José Groh – Exato. Durante a fusão, existe alguma produção de elementos radiativos, porém muito pequena. O grosso dos elementos radiativos é produzido durante a explosão. Há muita produção de níquel e cobalto instáveis, que decaem radiativamente em ferro e outros elementos, por meio do decaimento beta.
Agência FAPESP – Quais são as perspectivas para o futuro em seu campo de pesquisa?
José Groh – Já existe hoje uma combinação poderosa entre modelos teóricos e observação. Nos próximos cinco anos, a grande novidade será a instalação de dois telescópios ópticos robóticos com campos de visada muito grandes e as maiores câmeras já produzidas. Esses equipamentos, que chamamos de surveys, um no Chile, outro nos Estados Unidos, são capazes de cobrir, em cada exposição, áreas enormes. E serão inteiramente utilizados para monitorar o céu e detectar novos eventos.
Agência FAPESP – Uma vez detectado o evento, os telescópios de grande porte serão apontados para as coordenadas da ocorrência?
José Groh – Sim, se o evento for realmente do tipo que procuramos. Para isso, foi definida uma logística bem interessante. Uma vez detectado o evento, o survey envia automaticamente um alerta para vários pesquisadores. Estes devem usar telescópios um pouco maiores para classificar o evento. Se for de interesse, a informação é transmitida em escala ascendente, até o acionamento dos telescópios gigantes. Essa triagem é muito importante, porque uma parte dos eventos detectados são asteroides do sistema solar. Então, a primeira coisa a saber é se o objeto se move. Se estiver se movendo, isso significa que se trata de algo muito próximo. Para os grupos que estudam asteroides, um objeto desses é o foco de interesse. Mas, para nós, que estudamos supernovas, ele constitui uma contaminação indesejável.
Agência FAPESP – Além de contribuir para o conhecimento da física das estrelas e da evolução estelar, o que o estudo das supernovas pode acrescentar ao conhecimento do Universo em larga escala?
José Groh – Muita coisa. Esses eventos estão entre os mais brilhantes que conseguimos detectar com telescópios ópticos. E, por serem tão brilhantes, conseguimos detectá-los a distâncias muito grandes – vale dizer, no passado remoto. Com as novas gerações de telescópios, que estarão disponíveis nos próximos anos, poderemos usar esses eventos para fazer um levantamento de tudo o que aconteceu na estrutura do Universo ao longo dos últimos 10 bilhões de anos. Eles são como uma fonte de luz que ilumina tudo o que está no caminho.
Agência FAPESP