A dupla percebeu que, ao introduzir nos órgãos reprodutivos do verme Caenorhabditis elegans moléculas de RNA correspondente a uma determinada proteína muscular do artrópode, seus descendentes se contorciam de maneira peculiar. E esse mesmo movimento era observado em vermes modificados geneticamente para não ter o gene que sintetiza a proteína.
Por meio desse experimento, os cientistas concluíram que as moléculas de RNA eram capazes de inativar o gene do verme, inibindo a produção da proteína responsável pela produção de um músculo dele, sem alterar diretamente seu DNA.
Entre 2004 a 2007, durante seu doutorado, realizado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com Bolsa da FAPESP, a pesquisadora Helena Lage Ferreira decidiu verificar se a técnica também era capaz de inibir a replicação do metapneumovírus aviário (AMPV) – o agente primário da rinotraqueíte de perus e associado à síndrome da cabeça inchada em frangos e galinhas, que é uma doença altamente contagiosa.
Introduzindo moléculas de RNA em regiões alvo do genoma do AMPV nas células de aves infectadas, a pesquisadora observou que a técnica também foi capaz de inibir em quase 100% a replicação do vírus.
“Até então essa técnica tinha sido aplicada para inibir apenas vírus humanos, e depois desse trabalho, surgiram vários outros aplicando a mesma tecnologia para impedir a replicação de vírus aviários”, disse Lage durante a conferência que proferiu durante o Simpósio Científico sobre Defesa Sanitária Animal e Vegetal, promovido em setembro pela FAPESP e pela Fundação Bunge.
A pesquisadora foi contemplada com o Prêmio Fundação Bunge 2011, no tema “Defesa Sanitária Animal e Vegetal”, na categoria Juventude (direcionada a pesquisadores com até 35 anos de idade), por suas pesquisas sobre doenças respiratórias aviárias.
Apesar dos bons resultados obtidos com a utilização da técnica na avicultura, ela ainda não está sendo usada no setor devido ao seu alto custo. Mas, em contrapartida, está sendo estudada para inibir a replicação do metapneumovírus humano, que é do mesmo gênero do aviário.
“Essas moléculas de RNA ainda não estão sendo comercializadas, porque representam uma tecnologia nova. Mas já estão em fase experimental e em breve deverão chegar às farmácias para o tratamento de doenças respiratórias em humanos”, disse Lage.
Tropismo viral
Segundo a cientista, as doenças respiratórias virais representam hoje alguns dos principais problemas para a avicultura brasileira, que ocupa o terceiro lugar na produção mundial.
Entre os principais vírus causadores dessas doenças são o da laringotraqueíte infecciosa, o metapneumovírus aviário, o vírus da bronquite infecciosa, a influenza aviária e da doença de Newcastle, que representam as maiores fontes de prejuízos ao setor.
Encontrados em aves silvestres (exceto o vírus da laringotraqueíte infecciosa), as quais normalmente não apresentam os problemas respiratórios causados por eles, esses vírus são propagados pelas aves comerciais e podem exterminar um plantel.
Para combater esses vírus, atualmente os criadores de galinhas e perus utilizam vacinas de origem europeia ou norte-americana. Mas, de acordo com a pesquisadora, é preciso verificar se essas vacinas realmente combatem os vírus de campo “brasileiros”.
“É preciso estudar os limites dos programas de vacinação contra vírus de doenças respiratórias aviárias no Brasil, porque o tropismo viral – propensão que um vírus tem em infectar um determinado tipo de célula ou tecido – pode não ser o mesmo dos vírus combatidos pelas vacinas importadas de empresas multinacionais”, disse.
Além disso, de acordo com Lage, é preciso verificar a eficácia dessas vacinas, que devem ser capazes de inibir tanto a infecção como a excreção viral, para evitar a contaminação dos ambientes de criação, e tentar estabelecer uma correlação da proteção com a resposta sorológica para certificar se as aves estão sendo bem vacinadas.
Agência FAPESP