A mudança, descoberta quando o protótipo foi comparado com suas cópias oficiais, corresponde apenas a cerca de 50 microgramas, equivalente à massa de um minúsculo grão de areia. Pouca. Mas revela que o protótipo não cumpriu o seu dever elementar, o de ser uma âncora de estabilidade num mundo de incertezas.
Isto significa, dizem os cientistas, que é chegado o momento de encontrar um novo modo de calcular o quilograma, que agora tem uma definição deliciosamente frustrante."Uma unidade de massa igual à massa do protótipo internacional do quilograma"
De acordo com Peter J. Mohr, físico teórico vinculado ao Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, em Gaithersburg, Maryland, seria o caso de basear o futuro quilograma em uma constante física fundamental e não num objeto inconstante. "Queremos algo que não mude", disse ele, "para que haja um sistema de medição estável".
O quilograma é a última unidade das medidas de base que tem sido expresso em termos de um objeto manufaturado (o seu "primo", o protótipo internacional do metro, foi aposentado em 1960, quando os cientistas redefinram a medida. O processo se repetiu em 1983. Oficialmente, hoje um metro é "a distância percorrida pela luz no vácuo durante um intervalo de tempo igual a 1/299.792.458 do segundo).
Os cientistas têm agora planos "ardilosos" para o quilograma, e certamente para outras unidades de base. Um projeto de resolução a ser apresentado à Conferência Geral de Pesos e Medidas, em outubro deste ano, incluirá definições novas e melhoradas para o ampère, o mol e a candela (saiba mais). "Seria a maior mudança no domínio da metrologia desde que o sistema métrico foi introduzido durante a Revolução Francesa", diz Quinn.
Rumos
Tudo isto é muito emocionante e revolucionário, mas é mais fácil dizer do que fazer. A nova definição para o quilograma é baseada em uma grandeza física conhecida como constante de Planck - uma constante amada pelos físicos quânticos, mas ainda não expressa com a necessária precisão. Durante anos, vários grupos de todo o mundo trabalharam para medir a constante de Planck em um grau de incerteza aceitavelmente baixo. Para Michael Kuhne, atual diretor do Bureau de Medidas, a decisão pode demorar mais cinco ou dez anos. Ou talvez não. "Esperamos resultados excelentes dos experimentos, mas não tenho bola de cristal."
Isso não significa denegrir o quilo, que permanece em segurança sob três campânulas. Até que entre em vigor uma nova definição, o protótipo permanece como ideal platônico - tão precioso, que foi removido de seu local de custódia apenas três vezes em sua vida (para ser comparado com as três cópias). Mais: sua singularidade é tanta, que os franceses o chamam de "Le Grand K". Também como força simbólica pode-se ver que às vezes autores de artigos em revistas científicas o descrevem simplesmente com a letra gótica K.
"Apesar de todas as suas falhas, a razão de não ter sido ainda redefinido é que ninguém encontrou nada melhor", disse Kuhn que, em seu escritório, possui um belo modelo do protótipo. (Kuhn também detém uma das chaves do cofre, que mantém em uma caixa-forte. A segunda chave encontra-se com o presidente do Comitê Internacional de Pesos e Medidas e a terceira está nos arquivos nacionais franceses).
Dado que um quilograma é definido como o equivalente da massa do protótipo, para a sua definição não importa se o protótipo perde massa: continua um quilo. Assim como Norma Desmond em "Sunset Boulevard", o protótipo poderia muito bem argumentar que não foi ele quem perdeu peso, mas os outros que engordaram. (Esta suposição é teoricamente possível - são todas questões relativas, mas, segundo os cientistas, altamente improváveis). A nova definição deveria tornar inúteis esses frustrantes exercícios intelectuais. Claro, é um pouco triste ver o rebaixamento de um protótipo, que depois de tantos anos de valoroso serviço parece prestes a se aposentar e a lembrar seus dias de glória numa prateleira qualquer. Quinn não demonstra sentimentalismos frente a esta perspectiva. "O velho quilograma continuará a existir ", diz. "Mas uma constante fundamental é muito mais fundamental do que um artefato em um cofre".
(The New York Times/La Repubblica - 15/02/2011)