Baseada na crítica genética, ciência que propõe investigar os mecanismos de criação da obra literária, a pesquisadora analisou duas versões datiloscritas da obra, comparando os principais acréscimos da primeira para a segunda versão, que contou com 41 páginas a mais que a primeira. Além disso, na segunda versão foram incluídas as epígrafes do poema “Sôbolos rios”, do poeta português Luis de Camões, que tecem um jogo intertextual com a narrativa estudada. Segundo ela, diferentemente do livro publicado, que permite uma leitura linear, a leitura dos manuscritos de trabalho desmistifica a ideia de que o texto nasce pronto. “Nos manuscritos, a leitura é realizada de forma dinâmica, com idas e vindas, observando as marcas e os sinais gráficos. Conseguimos compreender como a obra foi feita e conhecer o caminho percorrido até o momento de ela ser considerada pronta, explica Cibele.
Ela acrescenta ainda que a obra não é apenas fruto da inspiração, mas resulta de um processo de escritura e reescritura constante. “Criar hipóteses sobre o caminho percorrido pelo escritor nos permite desvendar os princípios da gênese e afirmar que ela é resultado de um processo”. A partir desse estudo, ela concluiu que a maioria dos acréscimos e as epígrafes que foram inseridas por Scliar, durante o processo de criação de Os voluntários, tratam e reafirmam a temática judaica, vinda da herança cultural do autor.
Segundo Maria Eunice, a riqueza de materiais do Espaço justifica estudos como esse, propiciando que os acervos sejam explorados e venham à tona informações sobre o processo de criação dos autores. Participam da banca a professora de Literatura Brasileira da Universidade de Bordeaux, na França, Ilana Heineberg; o professor da Universidade Federal do Espírito Santo e especialista em crítica genética José Cirillo; o escritor e professor da Fale Luiz Antônio de Assis Brasil; e a diretora da Fale, Regina Kohlrausch. A viúva do escritor, Judith Scliar, também estará presente.
A escolha pelo estudo da obra sob o enfoque da crítica genética se deu já no mestrado, quando Cibele teve o primeiro contato com a teoria e, posteriormente, com o acervo de Moacyr Scliar. “A partir do contato com o acervo, pude perceber a riqueza, a variedade e a diversidade de manuscritos e de documentos que possibilitariam desenvolver uma pesquisa sob esse enfoque”. Além disso, ela afirma que a obra é pouco estudada pelos críticos, o que também a motivou a escolher o tema. “Os documentos que temos no Delfos sobre esse livro também propiciavam um estudo dessa natureza”, acrescenta Maria Eunice.
Obra Os voluntários
A obra Os voluntários, publicada pela primeira vez em 1979, narra a história de amizade de Paulo e de Benjamim, filho de imigrantes judeus. Devido a sua ascendência judaica, o quixotesco personagem Benjamim deseja conhecer Jerusalém, mas é impedido devido as suas limitações materiais. Para realizar o sonho do amigo, Paulo e mais quatro companheiros partem a bordo do rebocador Voluntários rumo ao porto de Haifa, mas o projeto fracassa.