Imprimir
Ciência e Tecnologia
Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
cervello-fapespLogo atrás das têmporas encontra-se o lobo temporal mesial, região do cérebro que compreende estruturas como a amígdala e o hipocampo, responsáveis por funções fundamentais humanas, como a memória e as emoções. É a partir dessa região que são disparados sinais elétricos anormais que vão provocar a mais comum das manifestações epilépticas em adultos, a epilepsia do lobo temporal mesial. “Essa também é considerada uma das formas mais graves de epilepsia, porque uma proporção significativa dos pacientes não apresenta resposta aos tratamentos mesmo que sigam criteriosamente as recomendações médicas”, disse Iscia Lopes Cendes, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), à Agência FAPESP.
A professora titular do Departamento de Genética Médica coordenou um Projeto Temático apoiado pela FAPESP que estudou por cinco anos a epilepsia do lobo temporal mesial e lidera atualmente uma pesquisa sobre o mesmo assunto, que conta com o apoio da Fundação por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

Ambos os projetos estão inseridos no programa Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) da FAPESP e produziram importantes avanços do conhecimento sobre esse tipo de problema relacionado a uma lesão nas estruturas mesiais.

Chamada de esclerose mesial temporal, a lesão começou a ser identificada em vida somente após o advento de técnicas modernas de imageamento médico, como a propiciada pela ressonância magnética nuclear. Antes, só poderiam ser detectadas e examinadas com o corte do cérebro por meio de autópsia ou após uma cirurgia.

Na hipótese levantada pelos cientistas, esses neurônios lesados seriam os causadores dos disparos elétricos irregulares que provocam a epilepsia e também a razão para a resistência aos medicamentos, uma vez que o tecido lesado seria incapaz de absorvê-los adequadamente.

Como essas lesões são formadas – se elas são genéticas ou adquiridas e se podem se agravar por causa das crises – é uma das perguntas que a pesquisa procurou responder. Uma das ferramentas utilizadas nesse sentido foi o acompanhamento prospectivo de pacientes, constantemente monitorados para que o especialista pudesse identificar o surgimento e o aumento da esclerose mesial temporal.

Esse acompanhamento auxiliou em uma das alternativas de tratamento: a cirurgia de remoção de parte de um dos lobos temporais. Em geral, a retirada da parte lesionada resulta em uma redução das crises, o que permite também a diminuição da medicação empregada. No entanto, esses efeitos positivos não se manifestam para todos e variam de intensidade de um paciente a outro.

Para investigar o motivo dessas diferenças, um subprojeto do Temático, coordenado por Fernando Cendes, professor titular no Departamento de Neurologia da FCM-Unicamp, aprimorou exames pré-operatórios a fim de avaliar como seria a resposta de um paciente à cirurgia antes de se submeter a ela.

Com esse avanço, pessoas que não teriam uma resposta eficaz a esse tipo de tratamento são poupadas da cirurgia enquanto que indivíduos que obtêm diagnósticos de boa resposta podem ser operados antes, atenuando e até poupando anos de crises epilépticas.

Essa parte do trabalho exigiu o emprego de técnicas computacionais para a análise de imagens médicas. Softwares específicos foram desenvolvidos para auxiliar na detecção de anomalias que até então tinham de ser descobertas com análise visual humana.

“Há anomalias que são detectadas pela assimetria entre os volumes de estruturas de um lado e de outro do cérebro, só que o olho humano não é muito bom para detectar assimetrias”, explicou Iscia, ressaltando que a visão computacional consegue avaliar com precisão essas medidas.

O desenvolvimento dos programas computacionais ficou por conta de dois professores da Unicamp, Alexandre Xavier Falcão, do Instituto de Computação, e Roberto de Alencar Lotufo, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação.

Além de softwares de avaliação de volumes específicos para determinadas estruturas cerebrais, também foram desenvolvidos programas avaliadores de texturas de tecidos, uma vez que, além de variações volumétricas, as alterações em tecidos também podem ser indicadores de lesões no cérebro.

“Ao comparar esses programas com o diagnóstico humano na análise de imagens de ressonância magnética, percebemos que eles apresentaram um grande número de acertos”, disse Iscia. Um dos desdobramentos desses trabalhos foi a tese de doutorado de Felipe Bergo, orientado por Falcão, que ficou em primeiro lugar no Concurso de Teses e Dissertações da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).

O desenvolvimento de novas funcionalidades em um software de análise de imagens médicas, feito pela neurologista Clarissa Yasuda durante o seu doutorado, rendeu a ela dois prêmios nacionais e três internacionais.

Em abril, Clarissa foi contemplada com o International Scholarship Award, concedido a jovens pesquisadores pelo Congresso Americano de Neurologia, por seu estudo comparativo da eficácia no longo prazo entre os tratamentos clínico e cirúrgico da doença.

O mesmo prêmio foi concedido aos mestrandos Renato Oliveira dos Santos, que investigou o possível papel dos polimorfismos do gene interleucina 1-beta na predisposição à epilepsia, e Marina Coelho Gonsales, que estudou a aplicação clínica do teste de mutações no gene SCN1A em crianças com a doença.

Os trabalhos ficaram entre os 13 destacados pelo evento entre mais de 4 mil inscritos e os três autores tiveram Bolsas da FAPESP. Clarissa dispõe atualmente de uma Bolsa de Pós-Doutorado para desenvolver softwares de planejamento cirúrgico.

Ajuda da física

Outra importante conquista do Projeto Temático foi o domínio de uma difícil técnica de diagnóstico, a ressonância magnética funcional (IRMf) com corregistro por eletroencefalograma (EEG), que reúne dados sobre os sinais elétricos do cérebro e os relaciona com a sua atividade metabólica.

Esse tipo de exame é importante por identificar as áreas em que são emitidos sinais elétricos do cérebro, por meio de um eletroencefalograma, e relacioná-las com os locais em que ocorrem as principais atividades metabólicas cerebrais, que são registradas por ressonância magnética de alto campo.

“Unir essas duas ferramentas é um grande desafio. É uma tarefa extremamente difícil e que envolve física pura”, disse Iscia. Para realizar essa tarefa foi convidado o professor Roberto Covolan, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.

Covolan passou um ano em instituições como o Massachussets General Hospital (MGH) e a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, para desenvolver uma nova técnica. O resultado colocou o Brasil entre o seleto grupo de países que dominam a ressonância magnética funcional com corregistro por eletroencefalograma.

O sucesso também dependeu da aquisição do aparelho de ressonância magnética de alto campo de 3 Tesla, ou aproximadamente 60 mil vezes a intensidade do campo magnético terrestre. O equipamento foi um dos três da mesma categoria adquiridos com recursos da FAPESP por meio do programa CInAPCe.

Além do aparelho da Unicamp, a Universidade de São Paulo recebeu duas unidades: uma para o Hospital das Clínicas, na capital paulista, e outra para a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

A disponibilidade do equipamento para a pesquisa permitiu uma descoberta importante para a neurologia. Os pesquisadores decidiram examinar também parentes de pacientes que nunca haviam apresentado crises de epilepsia. Para a surpresa do grupo, foram encontradas lesões mesiais temporais em alguns irmãos saudáveis de pacientes.

Isso indicou que, nessas famílias, as lesões apareceram antes da epilepsia podendo ser inatas. “Isso derrubou um paradigma da neurologia, pois acreditava-se que as lesões temporais mesiais eram adquiridas, provocadas, por exemplo, por crises febris durante a infância”, disse Iscia Cendes.

A descoberta gerou a criação de um novo subgrupo para a enfermidade – o da epilepsia mesial temporal familiar – e ainda quebrou outro paradigma, o qual versava que as lesões estavam incondicionalmente relacionadas às crises, o que foi desmentido ao encontrar indivíduos com a região lesionada e sem histórico de crises.

A partir daí foi realizado um estudo de genética molecular nessas famílias, a fim de se buscar os genes responsáveis pela predisposição a essa lesão cerebral. Após examinar mais de 300 marcadores polimórficos comparando indivíduos com e sem a lesão, os pesquisadores identificaram uma região com cerca de 8 milhões de pares de bases no braço curto do cromossomo 18.

Esse foi o trabalho de doutorado de Claudia Maurer Morelli, que rendeu a ela o Young Investigator Award, concedido pela Sociedade Norte-Americana de Epilepsia, e o International Scholarship Award, outorgado pela Academia Norte-Americana de Neurologia (AAN), ambos em 2007. Cláudia teve Bolsa da FAPESP durante o doutorado e atualmente é docente do Departamento de Genética Médica da FCM-Unicamp.

A região foi completamente sequenciada e atualmente os pesquisadores procuram a chamada variante funcional, a qual está presente nos indivíduos afetados e ausente nos indivíduos controle.

“Estamos na expectativa de encontrar essa variante, que indicará o gene responsável pela lesão e, com ele, saberemos muito mais sobre a biologia dessa lesão”, disse Iscia.

Para a professora da Unicamp, pesquisas com o DNA de famílias de pacientes poderão revelar a frequência com que essa lesão ocorre, que pode ser maior do que a estimada.

Programa CInAPCe: www.cinapce.org.br

Agência FAPESP