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Antonio HouaissSão 241 artigos em jornal, 53 cartas de sua correspondência pessoal, 64 prefácios, posfácios, orelhas e capas de livros, 36 artigos científicos, dois verbetes em dicionário, além de 30 arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e um processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Some-se a isso o fato de que, não por acaso, seu nome, tal como o de Aurélio Buarque de Holanda, também se tornou sinônimo de dicionário.
Como constatou o pesquisador Gustavo Saboia de Andrade Reis, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), o material sobre o escritor Antônio Houaiss é bastante vasto, mas tudo o que foi escrito por ele ou sobre ele está disperso em inúmeras fontes, o que só dificulta quem quiser investigar o tema. Motivo para que o pesquisador, que pacientemente vem recolhendo e reunindo toda esta documentação no blog Memorial Digital Antonio Houaiss, esteja planejando concentrá-lo num único site, onde todos os documentos que reflitam sua longa trajetória sejam acessíveis ao público interessado.  

Diplomata de carreira, ministro da Cultura, filólogo, tradutor, lexicógrafo, acadêmico, presidente de honra do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e, não menos importante, um apreciador da boa gastronomia, Houaiss foi sobretudo um homem de cultura. “Ao propor o tema para o meu doutorado, o amigo de Houaiss e grande incentivador do projeto, Roberto Amaral, exigiu: ‘Quero que pesquise tudo sobre o Houaiss.’ Esse foi o ponto de partida para um trabalho que vem me apaixonando”, declara o pesquisador.

Antonio HouaissDesenvolvendo o projeto desde 2012, Andrade Reis acredita que o site será um resgate, o reconhecimento a um brasileiro que teve uma participação relevante na história da diplomacia e da língua brasileira. Ele já conseguiu reunir sete gigas de material, desde matérias de jornal, fotos, vídeos, depoimentos e vários documentos de sua carreira no Itamaraty. “Acho que até mudei meu estilo de escrever de tanto ler material dele e sobre ele”, confessa Andrade Reis, que durante a realização da pesquisa esteve, até 2015, sob orientação da professora Susana de Castro Amaral Vieira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e que, a partir de 2015, foi orientando do professor Pedricto Rocha Filho, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), quando se deu início ao processo de consolidação do material recolhido. “Para dar continuidade ao projeto, estarei sob orientação do professor André Rangel Rios, do Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)”, destaca o pesquisador, que afirma ainda contar com o importante apoio e incentivo dos professores Vivaldo Barbosa e Epitácio Brunet, além de Anália Pinho.

Sério e rigoroso, fruto da primeira geração nascida no Brasil de imigrantes libaneses, Houaiss foi um intelectual que pensava a realidade brasileira, preocupando-se sobretudo com a Educação. Como destaca Andrade Reis, entre suas várias facetas, havia a da preocupação social, provavelmente acentuada pela formação com Anísio Teixeira – um dos personagens centrais na história da Educação no País. “Socialista desde o final dos anos 1940, sua atuação na diplomacia também foi pautada por essas ideias”, diz Andrade Reis.

Como ele explica, embora Houaiss nunca tenha chegado a embaixador, certamente por conta de suas ideias, sua carreira no Ministério de Relações Exteriores, iniciada em 1946, foi voltada para uma política externa brasileira independente e diversificada. “Ele foi defensor da abertura das relações comerciais brasileiras para novos mercados, sem ficar tão submetido às grandes nações.”

Em carta do início dos anos 1960, ao amigo Thiers Moreira, adido cultural na embaixada do Brasil em Portugal, embora a posição brasileira fosse a de não entrar em choque com os interesses portugueses, Houaiss se colocava favorável à descolonização no continente africano, que, segundo dizia, ocupava o papel de servir como uma grande fazenda produtora de bens de exportação para a Europa. Ao mesmo tempo, mostrava sua desesperança com os destinos que tomava a política brasileira. “Possivelmente, ele estivesse antevendo os rumos do País, que culminariam no golpe de março de 1964 e lhe valeriam a cassação e a aposentadoria compulsória. Ele já havia sido punido como subversivo em 1953, durante o governo Vargas, com o afastamento de suas funções diplomáticas. Mas fora reintegrado à carreira em 1954, o que equivaleu praticamente a um ano sabático.  Em 1964, no entanto, foi aposentado e teve a suspensão de seus direitos políticos pelos dez anos seguintes. E pelo menos até 1984, permaneceu sob observação do Dops, o temido Departamento de Ordem Política e Social. Afinal, sempre fiel ao socialismo, ele era uma das cabeças pensantes do PSB”, conta o pesquisador.

Era também um homem de muitos amigos, com que divida afinidades políticas e intelectuais. Entre eles, contavam-se o jurista Evandro Lins e Silva, o médico Renato Kovach, os diplomatas  Marcos Azambuja e Vasco Mariz, que também era historiador, e vários nomes conhecidos, como Sergio Rouanet, que deu nome à Lei de Incentivo à Cultura, os compositores Vinicius de Moraes e Tom Jobim, os escritores João Cabral de Mello Netto, Antonio Callado e Antonio Cândido, além de Roberto Amaral. Mantinha correspondência com Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava, circulando com igual desenvoltura entre a alta sociedade e a intelectualidade.

Na carreira diplomática, entre 1947 e 1949, Houaiss foi vice-cônsul do Brasil em Genebra, servindo também na ocasião como secretário da delegação permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU) na capital suíça e integrando as representações brasileiras às assembleias gerais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Mundial de Refugiados. De 1949 a 1951, serviu na embaixada no Brasil em São Domingos, na República Dominicana, e, de 1951 a 1953, em Atenas. De 1960 a 1964, foi secretário e depois ministro da delegação permanente do Brasil junto à ONU, em Nova York. Como membro da Comissão de Anistia de Presos Políticos de Ruanda-Urundi, examinou os processos de 1.220 presos políticos, todos anistiados em 1962 pela Assembléia Geral das Nações Unidas por proposta da comissão.

Como homem de letras, Houaiss colaborou na imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo, tendo sido redator do Correio da Manhã entre 1964 e 1965. Como delegado do governo federal para países de língua oficial portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), participou da delegação brasileira no Encontro para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado no Rio de Janeiro, em maio de 1986. Em 1988, organizou o Congresso Internacional de Tradutores, realizado no Instituto Internacional de Cultura, em Campos (RJ). Foi nomeado para o Conselho Federal de Cultura, do qual participou até a sua extinção. Em 1990, recebeu o Prêmio Moinho Santista, na categoria Língua.

Como lembra Andrade Reis, “Houaiss era enviado a colaborar em vários eventos culturais, nos mais diversos países”, conta. Foi membro do Conselho Nacional de Política Cultural, do Ministério da Cultura, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e chegou a Ministro da Cultura, em 1993, durante o governo Itamar Franco. Sobre a presença de Antônio Houaiss na ABL, o colega imortal Arnaldo Niskier comentou: “Ele representou um grande benefício a nossa cultura. De forma singela, ele chegou a comentar, em certa oportunidade, sobre sua atuação na Casa de Machado de Assis: ‘Um acadêmico é um mortal um pouco à margem das punições sociais. Então, pensei: se me fizer acadêmico, poderei continuar a ser o Macunaíma que sou, mas talvez um pouco protegido’.”

Considerado um dos maiores conhecedores da língua portuguesa nos tempos modernos, Antônio Houaiss mostrou seu apreço pelo assunto desde cedo. Começou a dar aulas de português aos 16 anos e continuou trabalhando como professor a vida inteira. Foi membro da Comissão Machado de Assis, criada por iniciativa de portaria do presidente Juscelino Kubitschek, para consolidar os textos de Machado de Assis e ampliada durante o regime militar para incluir escritores da língua portuguesa que merecessem ter seu cânon textual estabelecido criticamente. Sua primorosa tradução para o português de Ulysses, de James Joyce, foi bastante elogiada.

Durante dez anos, Houaiss organizou as duas mais importantes enciclopédias já produzidas no Brasil: a Delta-Larousse e a Mirador Internacional. “Ele foi autor de dois dicionários bilíngues inglês-português, e organizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da ABL, tornando-se o porta-voz brasileiro do projeto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pelo Congresso Nacional em 1995”, destaca o pesquisador. Terminou morrendo em 1999, sem ter visto completa a obra que lhe consumiu 15 anos de trabalho: o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O dicionário foi concluído por sua equipe, hoje reunida no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, no Rio de Janeiro.

Como fez questão de destacar o amigo Arnaldo Niskier em discurso na ABL em comemoração ao seu centenário de nascimento, em 2015: “É muito difícil definir o homem Antônio Houaiss, a partir de tudo o que fez e representou para a cultura brasileira.(...) Multifacetado, ele sempre esteve pronto para assumir as atividades que a vida colocou à sua frente, com a devida competência. Para a colega acadêmica Nélida Piñon, Houaiss “foi um homem múltiplo, uma mentalidade, uma cultura, uma visão de mundo polissêmica”.

Assessoria de Comunicação FAPERJ