Imprimir
Ciência e Tecnologia
Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
A cárie é uma das doenças mais prevalentes no mundo. No Brasil, jovens de 12 anos têm até dois dentes afetados pela doença, em média, uma incidência quase duas vezes maior que o considerado adequado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse número sobe para quatro em jovens entre 15 a 19 anos, e 16 em adultos entre 35 a 44 anos. Para avaliar a saúde dental da população, o País utiliza o índice preconizado pela OMS que avalia a prevalência da cárie dentária, o CPO-D.
A sigla deriva das palavras "cariados", "perdidos" e "obturados", sendo “d”, dente. A idade de 12 anos é referência internacional para o cálculo, por ser a etapa da vida em que a dentição permanente está praticamente completa. A OMS recomenda um valor ideal de CPO-D médio menor do que 1,1 aos 12 anos. No último levantamento epidemiológico nacional (Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, SB Brasil, 2010), realizado pelo Ministério da Saúde, foi observada uma prevalência de 53,4% de crianças com cárie na dentição decídua, na idade de cinco anos, e de 56,5% em dentes permanentes, em crianças de 12 anos.

Parte da equipe do projeto (a partir da esq.): Aline Letieri, Tatiana Fidalgo,  Ana Paula Valente, Ivete Pomarico e Liana Bastos (Fotos: Divulgação)Pesquisa coordenada por Tatiana Kelly da Silva Fidalgo, professora do Departamento de Odontologia Preventiva e Comunitária (Precom), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em colaboração com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pretende identificar como metabólitos salivares de baixo peso molecular podem influenciar no processo da doença em bebês e crianças. O estudo “Metabolômica da saliva de bebês antes e após a erupção dentária e secretoma de microrganismos bucais associados à cárie dentária” avalia a saliva como um biofluido importante no que se refere à tradução do estado da incidência de cárie. Metabolômica é o conjunto de metabólitos de baixo peso molecular (ácidos orgânicos, aminoácidos, carboidratos, entre outros) de determinado biofluido, neste caso, a saliva. “Grande maioria das pessoas acha que a saliva é sinônimo de água, mas, apesar dela ser composta por cerca de 99% de água, o 1% restante exerce papel de proteção da cavidade bucal e armazena importantes informações sobre a saúde geral e bucal”, informa Tatiana. A odontopediatra explica que existe um apelo grande para estudos com saliva, por ser um biofluido fácil de coletar por meio de procedimento não invasivo, que não provoca estresse. “Estamos estudando esses perfis distintos em condições de saúde e doença para, quem sabe, no futuro, podermos caracterizar uma doença pela saliva”, diz.

Tatiana conta que iniciou essa linha de pesquisa em 2008, quando começou seu mestrado na Odontopediatria da UFRJ. Ela se interessou pelo assunto porque já tinha adquirido noções básicas no curso de Biotecnologia, na Escola Técnica Federal de Química (hoje Cefet Química), e feito iniciação científica no Instituto de Biofísica, na UFRJ. Foi a professora Liana Bastos de Freitas Fernandes, pesquisadora da Faculdade de Odontologia da UFRJ, que propôs a ponte entre a Odontologia e a Bioquímica Médica, com a cooperação dos professores Ana Paula Valente e Fabio Almeida, que coordenam o Centro Nacional de Ressonância Magnética (CNRMN), e sua orientadora, a professora Ivete Pomarico Ribeiro de Souza.

A pesquisadora explica que a equipe começou a avaliar os estudos em metabolômica existentes na literatura e constataram que havia um número muito superior de estudos com sangue e urina do que com saliva. Ela avaliou que seria um desafio iniciar as pesquisas nessa área porque também iria começar a se ambientar com a ressonância magnética e com os diferentes métodos estatísticos. Mas decidiu ir em frente. Os primeiros estudos, quando ainda fazia mestrado na UFRJ, avaliaram o perfil de metabólitos salivares de baixo peso molecular em crianças com cárie e sem cárie. Já durante o doutorado, foi avaliada outra população de crianças, com idade de até 72 meses (seis anos), desta vez com cárie de acometimento precoce, um tipo de cárie mais agressiva. A equipe procedeu todas as etapas: coleta da saliva, tratamento dentário e coletas posteriores periódicas (em sete dias, um mês, dois meses e três meses) para verificar se o tratamento influenciava o perfil de metabólitos. “Vimos que houve uma mudança, mas, quando comparadas com crianças saudáveis, verificamos que o tratamento não era suficiente para restaurar o padrão de metabólitos das crianças saudáveis. É como se a cárie deixasse uma impressão digital, uma memória. Ou seja, a partir do momento em que você teve a doença, mesmo após tratá-la, aquela informação fica registrada na saliva”, esclarece a pesquisadora.

Segundo ela, os estudos que avaliam a saliva como potencial biomarcador para doenças sistêmicas não exploram a condição bucal, portanto, a dúvida é se aqueles marcadores indicam de fato uma determinada doença ou são consequência de uma doença bucal. Tatiana explica que vem daí a importância de se investigar quais são os metabólitos da doença cárie. O atual estágio do estudo, com bebês, e previsão para terminar em dois anos, se divide em três etapas: análises in vitro (para avaliar metabólitos que microrganismos bucais liberam), já em fase de finalização; coleta de biofilme de pacientes; e acompanhamento de bebês de 5 a 30 meses. Ela esclarece que antes do nascimento dos dentes não existe microrganismo carogênico na boca do bebê, por isso a importância dessa investigação, que objetiva avaliar a evolução e os aspectos da saliva antes, durante e depois da erupção dos dentes, até o final da dentição decídua, por volta dos dois anos e meio. “Nesse período há muitas mudanças acontecendo, como o aumento da colonização pelas bactérias e a maturação das glândulas salivares”, explica a pesquisadora.

Tatiana conta com apoio da FAPERJ desde 2013, ano em que recebeu bolsa de “Doutorado Nota 10”. Atualmente, ela integra o seleto grupo de pesquisadores do programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE) e, em 2018, teve projeto selecionado no edital Apoio às Universidades Estaduais – Uerj, Uenf e Uezo. Ela recorda que, em 2015, no evento de inauguração do espectrômetro de Ressonância Magnética Nuclear do CNRMN, um dos representantes do fabricante achou o projeto com saliva interessante e lhe ofereceu um curso de metabolômica na sede da empresa, na Alemanha. “Foi um enorme ganho. Aprofundei os conhecimentos sobre o processamento das amostras, os diferentes métodos de análises em ressonância magnética e também as análises estatísticas, que são bastante específicas. O que no início era um desafio, foi sendo desbravado. Aprendi muito e hoje posso compartilhar esse conhecimento.”, comemora.

Além da cárie, a equipe também realizou análises de doenças sistêmicas como diabetes e doença renal crônica, cujos resultados também já se encontram publicados. “É uma ferramenta útil para determinar padrões. Estamos caracterizando outras doenças como mucopolissacaridose, câncer e lúpus. Estudamos esses perfis distintos para, quem sabe, numa segunda etapa, podermos caracterizar uma doença por meio da saliva”, conta. Segundo ela, no caso do diabetes, por exemplo, foram encontradas características compatíveis com o sangue, como a quantidade alterada de açúcar na saliva. A pesquisadora diz que inicialmente a equipe está caracterizando os perfis distintos e chamá-los de “biomarcadores” nesta fase ainda é muito precoce, devido ao universo restrito da pesquisa, de 15 a 30 indivíduos, ou seja, uma amostragem pequena. Mas ela relata que durante o 3rd Latin American Metabolomics Symposium (Lamps), congresso de metabolômica realizado na UFRJ, na segunda quinzena de outubro de 2018, foi apresentada pesquisa realizada no Reino Unido, na qual cientistas já fazem estudo para diagnóstico específicos, a fim de antecipar ou mostrar uma tendência de doença.

A odontopediatra relata que, atualmente, tanto no Brasil como no mundo há uma diminuição da ocorrência de cárie, mas com um fenômeno chamado polarização da doença. “Diminuiu a prevalência global, mas quem tem a doença apresenta uma quantidade maior”, acrescenta. Ela explica que até existe uma predisposição a cáries – confirmada pela linha de estudo da genética da cárie –, mas que a doença nada mais é do que consequência da acidificação do pH do biofilme aderido ao dente, decorrente da ação das bactérias da cavidade bucal. “Não se transmite cárie, mas a bactéria. Em geral, essas bactérias estão em harmonia na boca, mas a partir de um desequilíbrio (disbiose), como pela ingestão de açúcar, as bactérias começam a produzir ácido em maior quantidade. Com isso, o biofilme começa a ficar espesso e, aliado a uma escovação irregular ou deficiente, as bactérias que produzem mais ácido começam a prevalecer no meio, gerando um desequilíbrio e iniciando a desmineralização da estrutura dentária, o que caracteriza a cárie”.

A recomendação da especialista para manter a saúde bucal dos bebês é a limpeza da cavidade bucal com gaze úmida após a mamada, a partir do quarto mês, porque assim o bebê já vai se acostumando com a futura escovação. A partir do nascimento do primeiro dente é indicada a escovação com escova macia e pasta dental apenas para “sujar” a escova. Tatiana também alerta para a necessidade de o creme dental conter flúor na concentração regular (1000 - 1100 ppm F para os tendo sílica como abrasivo; e 1500 ppm F para os com carbonato de cálcio). Ela alerta para a quantidade de pasta a ser usada: o equivalente a um grão de arroz para crianças de 1 a 3 anos, um grão de ervilha para crianças de 3 a 6 anos, e a partir dos seis anos a aplicação da pasta pela técnica transversal na escova. “Grande parte da população brasileira tem alto risco de cárie. O flúor é importante para controlar a doença, especialmente entre a população mais desassistida, de baixa renda, que não tem acesso ao serviço odontológico, carece de informação, e que não realiza regularmente uma boa higiene bucal, pois é justamente a população que consome mais açúcar”, finaliza.

Assessoria de Comunicação FAPERJ